domingo, março 25, 2007

O aluno rebelde"Queria era jogar à bola e passear"


O aluno rebelde


"Queria era jogar à bola e passear"



"Era cada aula, cada falta disciplinar". Bruno Machado, 15 anos, ainda esboça um ligeiro sorriso ao relembrar os tempos - não muito longínquos - em que se entretinha a "animar" as aulas na Escola EB 2/3 de Valadares.Hoje, jura que tomou juízo. E quando se lhe pede que tente explicar porque martirizava a vida dos professores, perturbando as aulas e, assim, impedindo os outros seus colegas de aprender, sai-lhe de imediato "Não entendia nada do que ouvia". E continua "Tinha que estar sentado a ouvir o que os professores falavam, não havia nada de prático para fazer. Eu chateava-me e portava-me mal". Hoje, sente-se mais motivado na "Secundária" local, onde frequenta um curso de Educação e Formação de Electricista. "Aqui tenho mais liberdade, não tenho só que ouvir, também faço coisas". Ao lado, Carlos Costa, 16 anos, e José Nunes, 17 anos, mostram, com orgulho,a oficina que haviam acabado de arrumar, cheios de brio. Seguem-se relatos, cheios de sorrisos, de passados de insucesso no ensino regular. "Eu reprovava por faltas logo no final do primeiro período", lembrava o Carlos, que esteve inscrito três vezes no 7.º ano. Porquê? "Não gostava daquilo, era tudo muito teórico, eu queria era jogar à bola e andar a passear", recordou.História idêntica foi a do José Nunes. "Eu até tinha bom comportamento, mas não tinha qualquer vontade em ir às aulas, faltava muito e não estudava", lembrou. Ambos reconhecem que, agora, sentem-se mais motivados com o curso de mecânica, que lhes irá conferir formação profissional de nível II e o 9.º ano de escolaridade. "Aqui trabalhamos, aprendemos algo de útil", concordaram. Ao lado, Isabel Ferreira, vice-presidente do Conselho Executivo, esclarece "Estes alunos estão muito mais motivados com este tipo de cursos. Do passado trazem na cabeça o que tanto ouviram na escola: que não eram capazes. Agora, comprovam precisamente o contrário.


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Bruno Machado

15 anos

"Não há professor que não se sinta exausto"


O docente desanimado


Conversa nas aulas, falta de regras ao entrar na sala, desrespeito pelos colegas, recusa em obedecer às ordens dos professores, falta de vontade em participar nos trabalhos. É assim o dia-a-dia na escola onde Rui Santos dá aulas há dois anos, inserida num meio social urbano complicado e, por isso mesmo, considerada como Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP)."Ao fim do dia, não há professor que não se sinta exausto. Trabalhamos com desalento, ao ver que a resolução dos problemas com que nos debatemos continua sem resposta", afirmou.


Rui Santos lecciona Música a alunos que, devido ao historial de insucesso escolar, frequentam turmas com currículos alternativos. "Com eles, evito as exposições teóricas, já que são alunos com problemas comportamentais. Torna-se mais fácil colocar um instrumento musical na mão e pô-los a fazer exercícios", salientou. Rui Santos explica que o trabalho em aula para aguentar os alunos é árduo. "São alunos a quem a escola não diz nada, o que torna mais difícil motivá-los", recordou. Conquistá-los para a vida escolar ainda se torna mais complicado quando a escola não é, por si só, suficientemente atractiva. "São os tacos levantados, vidros partidos , paredes escaqueiradas. O próprio edifício escolar não é acolhedor e os miúdos sentem que aquele espaço está ao abandono", referiu. Quando o comportamento dos alunos merece castigo, são convidados a sair da aula e dirigem-se a uma sala de estudo. "Vão para ali com uma tarefa para cumprir e são obrigados a reflectir, juntamente com o professor que lá se encontra, sobre o comportamento que tiveram", explicou.


Mau ambiente


Rui Santos sabe que é difícil exigir de crianças oriundas de famílias desestruturadas e com mau ambiente familiar e social um comportamento igual ao dos outros colegas. "Não podemos querer que eles saiam de casa e se transformem ao entrar pelo portão da escola", realçou. Daí ter salientado a importância de um trabalho conjunto com as famílias. "Até isso ao professor é pedido. Sem assistentes sociais e apenas com um psicólogo numa escola que é considerada um TEIP, cabe-nos a nós termos, muitas vezes, de sair da escola e ir ao encontro das famílias", referiu.A demissão dos pais é, no entender de Rui Santos, algo que poderia ser combatido. "Se essas famílias que se recusam vir à escola vissem recusados os benefícios sociais de que dispõem, provavelmente participariam mais", sugeriu.


"Temos alunos que, por incrível que pareça, ficam meses sem aparecer na escola. São crianças cujos pais saem cedo de casa e os miúdos passam todo o dia entregues à sua própria vontade", revelou."E quando aparecem, provocam instabilidade na turma, impedindo os que lá estão com vontade de aprenderem", concluiu.


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Rui Santos

Professor de Música

Gabinete orienta alunos expulsos da sala de aula



J. Paulo Coutinho, Fernando Basto, Fernando Oliveira




Q uando o professor dá ordem de saída da sala de aula, qualquer aluno da Escola Secundária Clara de Resende, no Porto, já sabe qual o destino a seguir chama-se "gabinete disciplinar". É ali que, desde Setembro, professores e alunos reflectem sobre o que deu origem à sanção e procuram formas para corrigir e prevenir os comportamentos menos adequados no meio escolar.O novo projecto educativo implementado naquele estabelecimento de ensino, desde o início do ano lectivo e pelo período de três anos, é considerado inovador entre os professores da escola."Não temos casos graves de indisciplina nesta escola, mas mesmo assim consideramos que é importante agir sobre os casos menores, para impedir que passem aos níveis seguintes", disse ao JN Ana Patrício, professora-coordenadora de um grupo recém-criado a Equipa Disciplinar.Constituída por sete docentes e dois funcionários, aquela equipa foi igualmente criada pelo novo projecto educativo da "Clara de Resende". Ela parte do princípio de que a disciplina é um factor central que exponencia os melhores resultados escolares.Assim, cabe-lhe monitorizar os incidentes do dia-a-dia. Para tanto, analisa as participações que são feitas. Se um professor, ao colocar o aluno fora da sala, é obrigado a preencher uma participação do comportamento tomado pelo aluno, também este, quando é levado ao gabinete disciplinar, é obrigado a preencher um "registo de incidente disciplinar". No formulário, para além da discrição do seu comportamento na sala de aula, o aluno é convidado a reflectir sobre a situação. "O que poderias ter feito para evitar esta situação?" e "O que te comprometes a fazer para remediar e ultrapassar esta situação" são duas das questões colocadas aos jovens."Aquilo que pretendemos é que o aluno olhe para o seu comportamento de outra forma, ajudando-o a tomar uma outra atitude face ao futuro e obtendo o seu compromisso em relação ao modo como vai agir daí em diante", salientou Ana Patrício.Os incidentes disciplinares vão sendo monitorizados ao longo da semana pela Equipa Disciplinar. Este trabalho tem permitido, desde Setembro, organizar uma base de dados, através da qual se fica a saber em que horário dos turnos escolares, em que turmas e com que alunos se registam os casos."Ficamos com uma perspectiva sobre o funcionamento da escola e das relações entre os professores e os alunos", referiu a coordenadora do projecto.A Equipa Disciplinar pretende, com base nas informações colhidas ao longo do ano escolar, passar a uma fase seguinte, a nível da intervenção."A gestão da sala de aula merece uma boa aprendizagem. Queremos identificar os professores com maiores dificuldades e avançar para cursos de formação, além de promover encontros com especialistas e fornecer mais informação aos professores", concluiu Ana Patrício.

Indisciplina exige melhor formação dos docentes


Fernando Basto
Quando, na década de 80, João Amado estudou o problema da indisciplina numa escola dos arredores de Lisboa, contabilizou 774 participações - a maioria com expulsão da sala de aula - feitas por professores no espaço temporal de cinco anos lectivos. Hoje, aquele docente universitário sabe, através das investigações feitas pelos seus alunos, que aquelas sete centenas de participações diriam respeito a apenas um trimestre. Conversa e utilização de telemóveis dentro da sala de aula, agressão verbal - quando não mesmo física - a professores, cenas de luta nos corredores e recreios e desrespeito às ordens dos funcionários são alguns dos comportamentos que se tornam comuns no dia-a-dia escolar. As razões são várias. Há alunos que chegam à escola carregando problemas sociais e familiares, não encontrando ali resposta às suas carências. E há professores sem formação para gerir uma sala de aula. E há um tempo em que a imagem dos educadores se sente fragilizada e, assim, aberta à indisciplina e violência. Receitas para dar a volta à situação não faltam. Rever currículos e reforçar a autoridade dos professores são algumas das soluções propostas. João Amado investiga as questões de indisciplina no espaço escolar há décadas. Por isso, hoje, sente dificuldades em resumir as causas do mau comportamento, tantas que elas são. "Ultimamente, os professores têm sido vítimas da desvalorização da sua própria condição e do seu estatuto pelo poder político, o que se vai traduzir na representação que a sociedade faz dos professores. E isto tem reflexos na sala de aula", destacou.Por outro lado, o psicólogo da Universidade de Coimbra lamenta que, cada vez mais, as famílias se demitam da sua autoridade sobre os filhos. E salienta o abandono em que muitos se encontram, entregues a si próprios. "Não faltam nas escolas alunos com um grande historial de repetência, com problemas sociais e familiares muito graves. Por isso, são indisciplinados, vítimas do insucesso e também geradores de insucesso", realçou. Saber gerir os problemas que se levantam numa sala de aula é, no seu entender, algo que exige uma formação urgente.Da mesma opinião é João Lopes, director de mestrados do Departamento de Psicologia da Universidade do Minho. "Há pessoas que têm jeito para controlar uma turma. Mas ser professor não vai de habilidade, mas de formação. E no que se refere à gestão da sala de aula, os professores têm muita falta de formação", referiu.Por outro lado, o psicólogo critica o laxismo existente em muitas escolas em termos disciplinares. "As conversas paralelas na sala de aula já são assumidas como factos normais, padronizados. Por isso, a tendência é que os alunos evoluam no grau de indisciplina, passando a níveis superiores", explicou.Mesmo assim, João Lopes acredita que o que mais contribui para o aumento da indisciplina é a falência do factor académico. "Os alunos não aprendem e, por isso, não percebem do que se fala na aula. Não admira, portanto, que se portem mal. É preciso mudar a forma como se ensinam os alunos, sem que, para isso, tenham de estar mais tempo na escola. Aliás, devia-se diminuir o número de horas que passam na escola e acabar com a Área Projecto e Estudo Acompanhado, que só geram desorganização e ninguém entende para que servem", concluiu. A ministra da Educação já fez saber que o Estatuto do Aluno (Lei 30/2002) está a ser revisto "no sentido de reforçar a autoridade dos órgãos de gestão das escolas e dos professores na tomada de medidas disciplinares de carácter educativo". Conforme salientou, as alterações que estão a ser introduzidas implicam "desburocratizar os procedimentos associados à gestão da indisciplina, que são hoje excessivamente codificados e desvalorizadores da autoridade do professor, comprometendo a eficiência educativa". Maria de Lurdes Rodrigues é de opinião que "a indisciplina é geradora de um ambiente social negativo para o futuro dos alunos como profissionais e cidadãos". A governante destacou o papel de programas como a escola a tempo inteiro e ocupação plena dos tempos escolares, educação para a cidadania, educação para a saúde e desporto escolar. No seu entender, aqueles programas "visam justamente proporcionar às escolas instrumentos de prevenção e plena integração dos alunos no projecto escola". A ministra destacou, ainda, a importância de uma maior responsabilização dos pais quanto ao cumprimento da escolaridade obrigatória .