quarta-feira, novembro 28, 2007

Educação Especial: ME admite alterar colocação de professores

O Ministério da Educação (ME) admitiu hoje alterar a legislação que impede professores com formação especializada de se candidatarem para dar apoio a crianças deficientes se tiverem menos de cinco anos de serviço.
Em declarações à Lusa, o assessor do ME, Rui Nunes, afirmou que «o Governo está a apreciar a situação e admite alterar as condições [de acesso ao grupo da Educação Especial] nos próximos concursos de professores».
A resposta da tutela surge na sequência da indignação revelada à Lusa por docentes com pós-graduações em necessidades educativas especiais que foram excluídas do concurso por terem menos de cinco anos de carreira, apesar de colegas sem qualquer especialização ou experiência estarem a ser recrutados para trabalhar com alunos deficientes.
Cerca de 140 docentes de grupos disciplinares tão diversos como a Electrotecnia ou as Ciências Agrárias que estavam sem turmas atribuídas (o chamado horário-zero) foram colocados, no final de Outubro, no grupo da Educação Especial para dar apoio a alunos com problemas como autismo, paralisia cerebral ou deficiência mental, por exemplo, apesar de não terem qualquer formação específica.
Quarta-feira, o secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, afirmou que mais 35 professores nesta situação serão colocados na próxima semana a desempenhar estas funções, justificando a opção com a falta de docentes especializados.
«Já não há professores no concurso para colocar no quadro de Educação Especial, além de sete que concorreram para escolas onde não havia necessidade. Como não há, o que estamos a fazer é ir buscar professores sem funções lectivas para dar o apoio», explicou Valter Lemos, adiantando que tal «sempre se fez».
A declaração do secretário de Estado deixou, no entanto, indignada a professora La Salete Ferreira, com uma pós-graduação em «Educação Especial - Limitações no Domínio Cognitivo, Motor e Multideficiência», que se encontra desempregada.
No concurso de colocação de professores, a docente foi este ano excluída da lista de candidatos do grupo de Educação Especial porque um decreto-lei de 1997 exige-lhe cinco anos de serviço para ser considerada especializada, tempo que ainda não cumpriu.
Para La Salete, o Ministério da Educação (ME) «prefere professores com mais tempo de serviço e de áreas que nada têm a ver com Educação Especial a apoiar estas crianças do que professores com formação, ainda que com menos tempo de serviço».
«Esta colocação administrativa de mais de uma centena de docentes sem formação é um crime. Estas crianças e jovens que necessitam de uma intervenção educativa especializada são as principais vítimas», disse à Lusa, assegurando que «não são poucos» os colegas que se encontram na mesma situação.
A indignação é partilhada por Sofia Silva, de 30 anos, que foi igualmente excluída do concurso por não ter cinco anos de carreira, apesar da Pós-Graduação que realizou em Necessidades Educativas Especiais, no Instituto Superior de Ciências Educativas.
Há um mês, foi contratada directamente por uma escola para dar um módulo de nove horas num curso de educação e formação, mas a docente garante ser «muito mais útil» no apoio a crianças deficientes.
Embora não possam concorrer ao grupo de Educação Especial, por imposição daquele decreto, estes professores poderiam, no entanto, trabalhar com alunos deficientes se fossem contratados directamente pelas escolas, o que dizem não acontecer apenas por «razões economicistas».
«O ME não quer abrir os cordões à bolsa e não se importa nada de pôr em causa direitos das crianças com deficiência, colocando no apoio professores dos quadros sem qualquer formação, só para não ter de nos contratar», acusou, em declarações à Lusa.
«Altamente injustiçada, desmotivada e desiludida» é também como se sente Paula Portugal, com uma pós-graduação no domínio cognitivo e motor, mas excluída das listas da Educação Especial pelo mesmo motivo.
«O ME está a colocar professores sem qualquer tipo de estudos a dar apoio a estas crianças e isso é muito mais grave do que não ter os cinco anos de serviço», considerou esta educadora de infância, a quem falta apenas cerca de um ano de carreira para poder concorrer ao grupo de Educação Especial.
Diário Digital / Lusa
23-11-2007 19:20:00

Trazer a escola para a Natureza



Está de volta mais uma edição do projecto Escola na Natureza com o objectivo de desenvolver competências básicas de cidadania em contexto ambiental.
Até 31 de Janeiro de 2008, as escolas de todo o país podem inscrever-se no projecto "Escola na Natureza", que convida as escolas a passarem dois dias em áreas protegidas e a realizarem um conjunto de actividades preparadas por técnicos do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) e da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC). Destinado aos alunos do 8.º ano do Ensino Básico, o projecto "Escola na Natureza" está enquadrado no programa escolar e tem como objectivo facultar aos alunos formação na área do ambiente e da sustentabilidade e desenvolver competências básicas de cidadania em contexto ambiental. Paralelamente pretende dar a conhecer e valorizar as áreas protegidas como locais excepcionais em termos de património natural e cultural.O projecto, onde já participaram cerca de 1300 alunos e 150 professores, decorre em sete áreas protegidas do continente, sendo as inscrições efectuadas directamente entre as escolas e a área protegida em causa. Posteriormente as escolas participantes e os técnicos das áreas protegidas terão uma reunião preparatória de modo a planificar as actividades que serão feitas no terreno. A Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha arranca com o projecto já em Janeiro e prolonga-o até Abril. Em Fevereiro, segue-se o Parque Nacional Peneda-Gerês onde a iniciativa decorrerá até Junho. O Parque Natural da Serra de S. Mamede e o Parque Natural da Ria Formosa só recebem os alunos a partir de Março, enquanto que na Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto a iniciativa arranca em Abril. No Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, o projecto decorre exclusivamente entre Abril e Maio, e no Parque Natural Sintra-Cascais os alunos também serão recebidos exclusivamente em Abril.Durante os dois dias da iniciativa o alojamento é assegurado pela respectiva área protegida. O transporte deverá ser garantido pelas próprias escolas. Aos alunos cabe a responsabilidade de assegurarem a sua alimentação e de levarem consigo uma lista de material considerado indispensável.O projecto surgiu em 2004, fruto de um protocolo estabelecido entre o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) e a Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC). Desde então, e cumprida com sucesso a fase piloto, a iniciativa tem-se repetido todos os anos.Mais informações:http://www.icn.pt/

O dom da matemática


Qual o dom dos professores de Matemática japoneses para cativar os alunos? O que os diferencia dos outros, como os portugueses? Para responder a esta questão - quem nunca associou os asiáticos aos números, como se associa os europeus às letras? - , o DN falou com um especialista internacional na matéria, Tad Watanabe, e com Arsélio Martins, que, há dias, ganhou o Prémio Nacional do Professor.Nascido no Japão, Watanabe, que dá aulas na Universidade Estatal de Penn, nos EUA, tem escrito, precisamente, sobre esta matéria. Learning from Japanese Lesson Study ("Aprendendo com o Ensino Japonês"). Considera que, a haver segredo, algum segredo da parte dos mestres nipónicos, este reside na focalização das aulas num único problema matemático. Sem dispersões. Um de cada vez. Além disso, as soluções a que os jovens chegam nunca são desprezadas, ainda que redundem em erro, antes analisadas em público, de forma crítica e construtiva. Sem humilhações. Com o professor ao mesmo ao lado, acessível a todas as dúvidas.Dando de barato as características anímicas dos japoneses, que tanto passam pela obediência como pela criatividade e pelo respeito geracional, esta acessibilidade é a grande diferença. Ou, como diz Watanabe, a capacidade dos docentes de, conhecendo-os, antecipar o pensamento dos seus educandos. Por miúdos: o que estarão eles a pensar? Que resposta irão dar?Outra diferença fundamental residirá na qualidade dos manuais logo nos primeiros anos de escolaridade, que, no caso japonês, lembra Watanabe, são encarados como importante coadjuvante do ensino e não, como muitas vezes acontece, um obstáculo para os professores e uma "seca" para os alunos. Há um cuidado acrescido da parte de quem define os currículos de Matemática.Ah, é verdade, e as aulas são muitíssimo bem preparadas, com sumários detalhados. E ninguém faz caixinha. A observação de trabalho dos outros, da forma como ensinam, é prática corrente - ninguém a critica, antes elogia. Partilha-se. E observa-se, passarinhando pela sala de aulas, espreitando o trabalho dos alunos e a forma como chegam a determinado resultado.No fundo, sintetiza, é dar o papel central na escola aos professores.Por alguma razão, nos EUA, onde foi publicado o relatório oficial Before is Too Late ("Antes que seja Tarde de Mais"), a Comissão Nacional sobre o Ensino da Matemática e das Ciências, já apostaram nestas soluções, "copiando-se" o modelo japonês.Razia em PortugalE em Portugal? Em Portugal é conforme. À razia dos resultados negativos ou menos positivos, escapam alguns. Os que têm sorte de encontrar pela frente mestres na arte de ensinar, como, por exemplo, Arsélio Martins, professor na Escola Secundária José Estevão, em Aveiro. "Temos de 'ganhar' os estudantes para algo, a Matemática, que não é um fardo. Eu utilizo tudo o que estiver ao meu alcance, com recurso a exemplos práticos do quotidiano, da história e da tecnologia, coisas relacionadas com as suas próprias vidas. O prazer é uma questão fundamental. Não é o prazer prazenteiro, mas sim o prazer que se obtém da resolução de problemas", salientou ao DN.Resta esperar pelo próximo relatório sobre os conhecimento em Matemática à escala internacional (Trends in International Mathematics and Science Study). O relatório é elaborado de quatro em quatro anos, tendo já sido publicadas as edições de 1995, 1999, 2003. O TIMSS ("Tendências Internacionais no Estudo da Matemática e da Ciência") relativo a 2007 só será publicado no dia 9 de Dezembro de 2008.

Professores de Filosofia afirmam que disciplina está a perder alunos

Ministério da Educação desdramatiza preocupação dos docentes

14.11.2007 - 15h53 Lusa
A Associação de Professores de Filosofia (APF) afirma a disciplina está a perder alunos, desde que o exame obrigatório a esta matéria acabou no 12º ano, uma preocupação que o Ministério da Educação desdramatiza, assegurando que o peso curricular da Filosofia nunca foi tão grande como agora.Segundo João Carlos Lopes, da direcção da APF, o fim do exame nacional - decidido pelo Ministério da Educação em 2005 e aplicado este ano pela primeira vez - conduziu ao "desaparecimento" da disciplina no 12º ano, porque os alunos deixaram de a escolher. "Com o fim do exame de Filosofia, deixou praticamente de haver essa disciplina no 12º ano. O ano passado fizemos um inquérito às escolas para ver se estava a ser leccionada. Das 40 escolas de todo o país que responderam, em nenhuma estava a funcionar a disciplina, apesar de haver programa, porque agora é opcional", afirmou João Carlos Lopes em declarações à Lusa, a propósito do Dia Internacional da Filosofia que se assinala amanhã.O secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, contrapõe, assegurando que "qualquer ideia de que há diminuição do espaço da Filosofia é completamente falsa". De acordo com o membro do Governo, "pela primeira vez" um aluno do secundário tem oportunidade de ter a disciplina de Filosofia durante três anos, mantendo-se os dois obrigatórios. "A disciplina era obrigatória do 11º e 12º ano. Com a nova reforma passou a ser obrigatória no 10º e 11º. Manteve-se a disciplina nesses anos obrigatória e acrescentou-se no 12º como opcional. Acrescentámos tempo à Filosofia, não retirámos", argumentou Valter Lemos.Para o secretário de Estado, uma eventual diminuição da procura da licenciatura em Filosofia - que afirma desconhecer se existe - "não tem a ver com o problema do exame", até porque se trata uma prova para concluir o ensino secundário e não de acesso ao ensino superior. "Para concluir o ensino secundário não existe exame de Filosofia, como não existe de Biologia, Química, História ou Física", lembrou, afirmando que a opção de acabar com o exame é "discutível", mas que isso não pode confundir-se com o peso da filosofia nos currículos dos alunos.O responsável da APF reconhece que há "decisões políticas que não têm que ver com benefícios ou malefícios de filosofar" e considera que "a filosofia não corre o risco de desaparecer, pois é uma disciplina obrigatória, como muitas outras que não têm exame". "Não achamos que tenha sido correcta a decisão, mas foi tomada. Fizemos o possível para inverter o processo, mas é uma decisão política e havia a clara necessidade de reduzir os exames", afirmou João Carlos Lopes.O responsável entende que tem havido uma diminuição na procura deste curso, mas que não tem a ver obrigatoriamente com o fim do exame. "Tem havido um decréscimo na procura do curso de Filosofia nos últimos anos, o que não terá a ver com o fim do exame nacional, mas com a previsão das saídas profissionais. É uma situação que se tem verificado com todas as disciplinas vocacionadas para o ensino. Há uma redução da procura dos cursos de humanidades a partir do 10º ano, ao contrário do que se passa com os cursos científicos, cujo horizonte de empregabilidade é mais garantido", considerou o professor.De acordo com João Carlos Lopes a decisão da Unesco de decretar, em 2002, o Dia Internacional da filosofia tem que ver precisamente com um reconhecimento de que esta disciplina tem vindo a perder peso.

terça-feira, novembro 27, 2007

A educação, a bateria e a especialização

Ao contrário da Economia, da Justiça ou da Saúde, em que são habitualmente chamados a pronunciar-se os profissionais da área respectiva, na Educação todos se sentem habilitados a dar palpites sobre o sector e sobre as reformas que são ou não necessárias. Cada vez mais, o estatuto da Educação se assemelha ao do futebol: como toda gente deu pontapés na bola na infância e na adolescência, acha que domina a arte de colocar a bola no fundo da baliza.
Na Educação, também todos passámos pelos bancos da escola e/ou somos pais e, por isso, nos sentimos habilitados a dar palpites sobre Educação e a fazer os mais definitivos diagnósticos sobre o sector.
Basta ligar a televisão ou um qualquer jornal, para vermos políticos, economistas, psicólogos, psiquiatras, advogados, jornalistas ou fabricantes de garrafas a pronunciarem-se de cátedra sobre o assunto. E aqui reside o principal erro que se comete em Portugal em matéria de Educação. Há a ideia generalizada de que este não é uma matéria que exija especialização. Contudo, qualquer professor consciente sabe que, pelo contrário, é um sector que exige uma enorme especialização e experiência.
Há muitos anos atrás, quando um grupo de adolescentes queria formar uma banda de garagem, quem ficava a tocar bateria era quem não sabia tocar nenhum outro instrumento. Hoje a bateria é motivo de teses de mestrado, mas numa época de pouco conhecimento considerava-se que qualquer pessoa era capaz de dar umas batidas nos pratos. Na política portuguesa também é assim: para ministro da Justiça escolhe-se um advogado ou um juiz, para a pasta da Economia escolhe-se um economista, para a pasta da Saúde vai um médico ou professor de Saúde Pública. Para a Educação, vai qualquer um. Não é necessário nem especialização nem o conhecimento do sector. Extraordinário!
Ninguém se lembraria de escolher um veterinário para ministro das Finanças, mas toda a gente achou natural que a economista Manuela Ferreira Leite ascendesse à pasta da Educação. Também toda a gente achou normal que os engenheiros mecânicos Couto dos Santos e Marçal Grilo (este com algum contacto com o sector) passassem a inquilinos do prédio da 5 de Outubro.
Ou que David Justino, autarca e professor do ensino superior, ocupasse as mesmas funções.
Nada mais pacífico, por isso, que Santana Lopes tivesse convidado uma especialista de telecomunicações para o cargo, com os resultados trágicos que se conhecem. Posto isto, quem se admiraria ao ver José Sócrates convidar uma professora de Sociologia, sem qualquer currículo conhecido na área do ensino básico ou secundário para o cargo? Aliás, parece que todas as profissões dão excelentes currículos para ministro da Educação, excepto uma: a de professor dos ciclos de ensino respectivos!
Quando foi conhecido o nome de Maria de Lurdes Rodrigues para a pasta da Educação, todos se interrogaram quem seria a nova titular, uma vez que ninguém a conhecia. Além de algumas obras publicadas, que nada tinham a ver com o ensino secundário, sabia-se que era presidente do Observatório das Ciências em Portugal. Contudo, logo os jornalistas descobriram uma "qualidade" na nova ministra que a qualificava para o cargo: era conhecido o seu mau feitio. Não demorou muito a que os portugueses demorassem a descobrir que o critério "mau feitio" era extensivo aos seus secretários de Estado. Um critério, no mínimo estranho, numa pasta que envolve milhões de pessoas e em que a capacidade de comunicação deveria ser prioritária.
Existem quase 150 mil professores em Portugal a trabalhar no ensino básico e secundário, mas, ao que parece, nenhum sabe suficientemente de educação para desempenhar o cargo. É caso para perguntar o que fazem estes milhares de professores durante dias, meses, anos ou décadas de profissão. Se dia após dia, não se estão a especializar em Educação, então o que estão a fazer?
Aprender a fazer horários, conciliando uma complexidade de factores, não é especialização? Dirigir uma escola não é especialização? Gerir uma turma de alunos desestruturados não é especialização? Contudo, parece que em Portugal, todo este conhecimento fundamental não habilita nenhum dos profissionais de Educação a dirigir o ministério respectivo. Extraordinário!
Ao invés, parece que o que habilita alguém para o cargo é nunca ter dado uma aula na vida no sector que vai dirigir! Ou que não faça a mínima ideia do que sejam as dinâmicas dentro de uma sala de aula. Não será esta sistemática ostracização dos professores, afinal, uma falta de consideração da classe política para com os profissionais de Educação deste País?
Como se pode conceber que conhecer o sistema por dentro nada valha para a classe política? Como se admite que, se não me falha a memória, nem um único professor tenha sido convidado para ocupar o cargo de ministro ou de secretário de Estado neste País nas últimas décadas? Será que aos professores do ensino básico e secundário está reservado o estatuto de menoridade mental e profissional, apesar das provas de bom senso que revelam todos os dias?
Com o devido respeito, enquanto cidadão, considero que os professores têm cumprido incomparavelmente melhor as suas funções do que a classe política. Se alguma dúvida houvesse, bastaria ver o estado em que encontra este País. Por outro lado, convém lembrar que a responsabilidade das políticas educativas erráticas e inconsequentes é da classe política, não dos docentes, que apenas as executam As estatísticas e o sucesso educativo Os portugueses têm assistido, com alguma perplexidade, às queixas da senhora ministra da Educação sobre as taxas de insucesso e abandono escolar. Afinal, a um ministro da República não se pede que se queixe, mas que resolva os problemas. Para isso tem, primeiro, de conhecer a realidade. Contudo, os argumentos que a senhora ministra e os seus secretários de Estado têm trazido para a comunicação social mais não revelam que um profundo desconhecimento do trabalho produzido nas escolas.
As questões são simples e quem está no terreno conhece as soluções há muitos anos. O entendimento entre os professores não é difícil e, regra geral há consenso sobre a forma de resolver os problemas. Aliás, os profissionais, seja qual for o ramo de actividade, conhecem sempre muito bem os problemas da sua área de actuação e, por isso, as soluções também são geralmente consensuais.
As dificuldades surgem quando aparecem políticos, que não conhecem a verdadeira dimensão dos problemas, a Governar sectores que não dominam. O resultado traduz-se invariavelmente em contestação dos profissionais em causa e medidas avulsas e inconsequentes.
Há anos que os professores deitam as mãos à cabeça com as medidas apresentadas pelos sucessivos governos, cada uma pior que a outra. Com a sua proverbial paciência, professores e conselhos executivos tentam implementar o que, muitas vezes, não tem qualquer viabilidade ou aderência à realidade.
Se a autonomia das escolas lhes permitisse rejeitar muitas das directivas absurdas que lhes chegam anualmente, por certo, muito dinheiro pouparia o País e muita eficácia ganhariam as escolas.
Mas vamos às queixas da senhora ministra. Para responder a estes questões, não precisamos de comissões de sábios ou de espertos (tradução livre do Inglês), qualquer professor esclarecido conhece as soluções. Porque é que os alunos não completam o 12º ano? A resposta é curta e simples: o elevado grau de abstracção dos actuais programas do 12º ano não é compatível com o perfil de uma parte significativa da população escolar. O problema não está nos alunos nem nos professores nem nos pais nem sequer no sistema de ensino, mas nos programas, que foram criados com a função de preencher anos pré-universitários. Ora, quem não tem perfil universitário - e são muitos - também não tem perfil para frequentar o actual 12º ano. Se o País quer que a generalidade dos alunos completem o 12º ano tem de lhes propor outras competências, de menor abstracção e complexidade, seja através de cursos profissionais ou outros. E ponto final.
Volto à questão da necessidade de especialização da escola. O Ministério da Educação olha para a população escolar como uma massa uniforme e, por norma, propõe soluções universais para problemas bem distintos. Erro crasso.
Já dizia, Descartes que os problemas complexos se devem decompor em problemas simples, para que se possam resolver. Ora, com a democratização do ensino, toda a população jovem passou a ter acesso à escola. E com ela chegaram novos problemas às escolas que exigiriam soluções diferenciadas. Contudo, o Ministério da Educação continua a comportar-se como se a população escolar tivesse a mesma homogeneidade de há 30 anos. Não tem. A população escolar de hoje é altamente heterogénea, uma consequência da universalidade do ensino.
Os três nós górdios do ensino secundário
1) O atraso mental ligeiro
Numa linguagem simplificada, eu diria que há três tipos de novos utentes que acederam à escola nas últimas duas ou três décadas e que têm sido ignorados pela classe política. Uma dessas classes, de que nunca se fala, é a população escolar menos favorecida intelectualmente. Não há que ter pudor ou vergonha em falar no assunto, eles existem, há que assumir essa realidade.
Há 30 anos, não passavam do 1º ciclo, hoje frequentam o terceiro ciclo e pretende- se que cumpram no futuro 12 anos de escolaridade.
A população escolar não deve ser dividida numa grande maioria, inteligente, e numa pequena minoria, deficiente. Não. Há uma fatia intermédia da população escolar que, não sendo considerada deficiente, possui, no entanto, o que definiria, ainda que sem rigor científico, como grau de atraso mental ligeiro.
Todavia, não é politicamente correcto admitir que existem alunos intelectualmente limitados, todos preferem assobiar para o lado e fingir que o problema não existe. Por certo, até hoje nenhum ministro da Educação se lembrou de pedir o perfil da população escolar em termos de Quociente de Inteligência (QI). Seria um exercício interessante confrontar esses resultados com as exigências dos programas escolares. Ora, o Ministério da Educação continua a exigir a estes jovens menos dotados intelectualmente aquilo a que eles não conseguem corresponder.
Numa estimativa meramente empírica, baseado na minha própria experiência de professor, diria que esta população não andará longe dos 10%, o que, concordemos, é um número muito significativo.
Na minha opinião, há que olhar para este problema de forma integrada pois os cursos profissionais apenas o resolverá em parte. Não esqueçamos que, num mundo globalizado, cada vez se exige mais dos profissionais, seja qual for a área. E hoje, exige-se muito a um electricista, um jardineiro ou um mecânico, bem mais do que estes alunos poderão eventualmente dar.
Por isso, mesmo depois de formados, dificilmente estes jovens poderão competir de igual para igual no mercado de trabalho. As limitações intelectuais não desaparecem só porque frequentaram cursos de formação e, por isso, seria importante que o Governo criasse bolsas de trabalho protegidas, quer no Estado quer no sector privado, através de protocolos com as empresas.
Não entendo, por exemplo, porque é que pessoas com QI médio ocupam postos de trabalho no sector da limpeza, quando este, por ser menos exigente, deveria ser um sector de mercado de trabalho protegido dirigido para pessoas de QI baixo, que dificilmente conseguirão emprego estável noutras áreas. O que a sociedade não pode é marginalizar estes jovens nem deixar de lhes oferecer uma colocação profissional compatível com as suas limitações intelectuais. E ao ignorar as suas limitações, o Estado está a empurrar involuntariamente estes jovens para a marginalidade social.
2- a) O mundo das famílias desestruturadas
O segundo tipo de utente que tem acedido à escola nas últimas décadas é o das chamadas famílias desestruturadas. Antes de 25 de Abril de 1974, estes jovens eram perseguidos e marginalizados pelos próprios professores, seguindo as directrizes e as práticas do Ministério da Educação. Se não eram expulsos, eram tão maltratados que acabavam por abandonar as escolas na primeira oportunidade.
Contudo, hoje fazem parte da população escolar e, reconheça-se, de pleno direito. No entanto, mais uma vez, o Ministério da Educação não os reconhece como segmento de população escolar diferenciado e remete a solução dos problemas que causam no normal desenrolar da vida escolar para as escolas, sem os correspondentes meios.
Aqui, as soluções para a resolução deste problema dividem-se. A Alemanha decidiu criar escolas de nível regular, médio e máximo e dar aos pais a opção de escolherem a escola dos seus filhos. A formação dos professores, ao que me informaram, também é diferenciada: os das escolas regulares têm competências reforçadas ao nível do comportamento e integração social e os das outras escolas ao nível científico. Confesso que me inclino, cada vez mais, para esta opção porque é a que mais atenção dá aos diversos públicos-alvo.
A outra opção passa por manter a actual heterogeneidade das turmas. Contudo, também aqui há limites inultrapassáveis, como o número de alunos problemáticos a nível de comportamento por turma. Por norma, um professor consegue gerir satisfatoriamente uma turma com um ou dois alunos problemáticos, mas jamais conseguirá gerir com sucesso turmas com 10 ou 15 alunos problemáticos. Neste caso, o rendimento escolar fica irremediavelmente comprometido.
Bem pode o professor "fazer o pino", pois em Educação não há milagres. Ora, hoje em dia o Ministério da Educação impõe que as turmas só possam ser desdobradas se tiverem mais de 30 alunos, exceptuando se tiverem alunos com algum tipo de deficiência. Ora, os alunos desestruturados não são deficientes e, por isso, hoje há turmas com 10 ou 15 alunos problemáticos integrados em turmas de 30 alunos. O resultado só pode ser trágico, quer para os alunos problemáticos, que não têm a atenção que lhes é devida, quer para os restantes, que não conseguem aprender o que deviam. Obviamente, a culpa aqui não é dos professores, mas das regras absurdas impostas pelo Ministério da Educação.
Ainda nesta opção, é absolutamente indispensável que a indisciplina orgânica não se torne norma na aula. A sala de aula é um local de trabalho, não o prolongamento do recreio. Contudo, cada vez é mais difícil distinguir o recreio da sala de aula. Ou é o auscultador que o aluno coloca mais ou menos discretamente no ouvido, ou é o telemóvel, ou o caderno e o livro que não são trazidos para a aula, ou a conversa irreverente com o parceiro do lado enquanto o professor tenta explicar a matéria, tudo isto perturba enormemente uma aula e reduz drasticamente a aprendizagem. Ora, esta indisciplina orgânica deve ser muito mais penalizadora para o aluno do que é actualmente. A solução, do meu ponto de vista, passa por criar um núcleo disciplinar dentro de cada escola. Se um aluno desrespeita sistematicamente as regras de comportamento na sala de aula, deve ser obrigado a sair, mas não para regressar 10 ou 15 minutos depois à aula seguinte, continuando a ter o mesmo comportamento. Alguém que é expulso de uma aula por mau comportamento deveria ficar até ao final do horário escolar numa sala disciplinar, acompanhado por dois professores, com o perfil adequado para o efeito. Isto já é feito, com êxito, em escolas americanas.
Outra medida poderia passar pela mudança compulsiva de turma ou até, de estabelecimento de ensino, bastando para tal uma avaliação negativa do comportamento do aluno, devidamente fundamentada, por parte do conselho de turma. Só assim, o combate à indisciplina será suficientemente dissuasor. O actual modelo do processo disciplinar, burocrático, interminável e permissivo, não tem qualquer eficácia e deveria ser reservado apenas a casos de violência, física ou verbal. Muitas vezes, quando chega ao fim o processo disciplinar, já acabou o ano lectivo. E, na maior parte das vezes, a pena é tão simbólica que põe o sistema a ridículo.
2-b) A violência na escola Ainda dentro do capítulo das famílias desestruturadas, é preciso considerar o caso-limite da violência nas escolas, que afecta, sobretudo, a periferia das grandes cidades. O Ministério da Educação não pode remeter o problema para as escolas, lavando daí as suas mãos como Pilatos. Pior ainda quando decide acusar de incompetência os professores e as escolas em dificuldade, com o extraordinário argumento de que há escolas que têm êxito em situações idênticas.
Aliás, nos célebres vídeos da RTP, a estratégia do secretário de Estado passou (surpresa!) por tentar culpabilizar os professores em causa pela violência nas aulas, quando se percebe claramente que há naqueles alunos uma agressividade perfeitamente anormal que exigiria um apoio especializado acrescido àquelas escolas. Aliás, esta é a estratégia recorrente dos responsáveis do Ministério da Educação: quando algo não está bem, a culpa é invariavelmente dos professores. É a visão simplex da Educação. No caso dos vídeos na RTP, seria previsível que os responsáveis do ME tomassem medidas para resolver os problemas de violência nas escolas. Todavia, logo surgiu a notícia de que o Ministério iria tentar acusar a direcção das escolas de violação do direito de imagem, apesar de ninguém ser identificado na reportagem. Fantástico!
3- O problema da motivação
Um terceiro grupo problemático é o dos alunos que, devido a problemas de motivação ou bloqueios emocionais não conseguem ter um rendimento escolar normal. Muitas vezes, falta de motivação e de resultados não implica mau comportamento nas aulas. Muitos factores podem estar associados a estes problemas. Um deles é conhecido como hiperactividade ou défice de atenção. Segundo o pedopsiquiatra Nuno Lobo Antunes, 7,5% da população escolar tem este problema. Numa escola de 1300 alunos, 100 alunos sofrerão assim deste problema. Uma multidão.
E qual é a resposta do Ministério da Educação para este problema, que exige tratamento médico especializado? A informação que tenho é que a única consulta do Estado na região, localizada no Hospital de Leiria, tem uma lista de espera de 7 meses... No sector privado, uma consulta da especialidade pode chegar aos 100 euros, bem longe do alcance da maioria dos pais.
Diante deste cenário, que razão tem a senhora ministra da Educação para se queixar dos maus resultados escolares dos alunos? Além destes, existem muitos outros problemas de saúde que explicam o baixo rendimento dos alunos, como dislexia, problemas de visão, audição, etc., muito mais frequentes do que se pode imaginar e que dificilmente os professores conseguem detectar.
Ainda relativamente à motivação, que soluções propõe o Ministério da Educação para os inúmeros casos de falta de acompanhamento dos alunos por parte dos pais? É um erro de palmatória pensar que os professores podem substituir os pais no acompanhamento parental. Com 5 ou 6 turmas de 25 a 30 alunos e horários rígidos, perfazendo 100 a 150 alunos a seu cargo diariamente, os professores não têm nem tempo nem vocação para fazer esse acompanhamento. O resto não passa de fantasias delirantes. Ponto final. A "solução" do Ministério da Educação de alargar os horários escolares para permitir o melhor acompanhamento desses alunos dificilmente terá qualquer eficácia. Primeiro, porque não é em 45 minutos ou mesmo 90 minutos que se consegue dar o mínimo de acompanhamento parental a grupos de 5, 10 ou 15 alunos. Em segundo lugar, mais horas num horário escolar já sobrecarregado soa como um castigo extra para os alunos, que, ao fim do dia, já estão cansados e stressados e só querem ir para casa descansar.
Outra medida inconsequente são as chamadas aulas de substituição. Se elas são compreensíveis no 1º ou 2º ciclo, dada a tenra idade dos alunos, que exige uma supervisão apertada, o mesmo não acontece no 3º ciclo e no ensino secundário, onde os alunos já dipõem de razoável autonomia. O argumento da senhora ministra de que se os alunos não estiverem na sala de aula andam pelos cafés a embebedarem-se não colhe. Em primeiro lugar, se as escolas não estão vedadas, é obrigação do Ministério da Educação fazê-lo. Os alunos devem permanecer no espaço escolar durante o tempo do horário escolar. E a esmagadora maioria dos alunos portugueses não são bêbados nem toxicodependentes, são jovens que precisam de brincar e de socializar, coisa que sempre fizeram de forma saudável. Com esta medida, a senhora ministra impede os alunos de o fazer no recreio. A consequência é que transformam o espaço da sala de aula, que deveria ser sagrado e reservado ao estudo, no recreio. Os resultados desta medida em termos de cultura escolar são, obviamente, catastróficos. As medidas piedosas e populistas do Ministério da Educação, que podem parecer óptimas para pais e leigos na matéria, traduzem-se afinal em mais
custos para os contribuintes e resultados nulos. Este é mais um exemplo de que a Educação precisa de especialização e que os especialistas deste sector não são gestores, sociólogos ou engenheiros mecânicos, mas professores. E, já agora, qual é a penalização (ou incentivo) para os pais que nem sequer vão à escola quando são solicitados? Será que o sucesso educativo não passa pela responsabilização de todos os intervenientes no processo educativo? Muito francamente, não me parece sério um discurso que só procura responsabilizar uma das partes e se demite totalmente de responsabilizar os outros intervenientes no processo. Ou será que o Ministério da Educação optou por afrontar apenas os professores por serem apenas 150 mil e não tem coragem de responsabilizar pais e alunos, por estes serem 3 ou 4 milhões?
A avaliação dos professores
a) Os "maus professores"
Em quase 20 anos de ensino, contam-se pelos dedos de uma mão os comportamentos não responsáveis de professores que observei. Por isso, é com perplexidade que ouço falar da necessidade de punir os "maus professores".
De que País estamos a falar: da Somália, do Sudão ou do Burkina Faso?! Com certeza os professores são humanos, terão seguramente personalidades muito diferentes, qualidades e defeitos, mas, se há classe que me merece confiança, é a dos professores. De resto, numa profissão sujeito ao escrutínio de tanta gente, dificilmente algum professor não cumprirá as suas obrigações. Qualquer aluno, encarregado de educação ou professor se pode queixar ao conselho executivo da escola e todas as queixas são tidas em conta, consideradas e dado o devido encaminhamento. Os casos poderão depois ser passados à inspecção que os analisa a pente fino e, mesmo assim, raras são as condenações de professores.
Só quem não percebe nada do que são as escolas portuguesas - e muitos são, incluindo a maioria dos jornalistas - consegue acreditar na fantástica tese de que o problema do ensino secundário reside na qualidade dos professores.
Lembro que a quase totalidade dos professores são pessoas formadas e, como já sublinhei, têm de dar diariamente provas de bom senso. Na verdade, o que falta nas escolas são regras eficazes a todos os níveis e flexibilidade na gestão.
Por isso, é lamentável que a campanha de difamação dos professores parta precisamente dos responsáveis do Ministério da Educação. E mais lamentável ainda é que num dia lancem lama sobre a classe, para logo no dia seguinte virem dizer que não era bem assim, e que a culpa é do jornalista que deu a notícia. A senhora ministra acusou os professores de só se preocuparem com as boas turmas e de as colocarem de manhã para os funcionários da escola colocarem lá os seus filhos. Ora, isto é uma acusação claríssima de corrupção.
Em quase 20 anos de profissão, nunca observei tal prática e, por isso, considero que a senhora ministra difamou os professores. Em primeiro lugar, com a natalidade em queda, não me parece que os professores tenham assim tantos filhos e menos ainda na escola onde leccionam. Da minha experiência, cada escola talvez tenha em média dois ou três filhos de professores a estudar na mesma escola enquanto há 20 ou 30 turmas por escola. Além disso, muitos são os professores que têm os filhos a estudar noutras escolas, públicas ou privadas.
Por aqui se vê que essa acusação não tem qualquer base de sustentação.
No entanto, a ser verdade esta prática nalguma escola, a obrigação da senhora ministra era mandar a Inspecção averiguar, não lançar lama contra uma classe profissional inteira.
Por outro lado, a comparação dos professores com os médicos é, uma vez mais, reveladora do desconhecimento que a senhora ministra tem da profissão docente no ensino secundário. A cura da doença dos pacientes só depende do médico, mas a aprendizagem dos alunos não depende só do professor.
Só por desonestidade intelectual e/ou leviandade se podem comparar situações tão distintas.
b) A avaliação fantasma dos pais
Os alunos não aprendem por um conjunto variado de factores, que já atrás referi, e dos quais o Ministério da Educação é o principal responsável. Os professores fazem o melhor que podem e sabem. De resto, a intenção persecutória dos responsáveis do Ministério da Educação contra os professores e as suspeitas públicas quanto ao seu profissionalismo são claras. A última afronta é a proposta de Estatuto da Carreira Docente.
Com efeito, a proposta de avaliação dos professores por parte dos encarregados de educação parte da suspeita não confessada de que os professores não são responsáveis. Assim, os pais (supostamente cidadãos responsáveis) controlariam os professores (supostamente profissionais irresponsáveis).
A medida, tão populista como perversa, mereceu a reprovação da maior parte dos partidos, do Bloco de Esquerda ao CDS, e até da generalidade dos comentadores, sempre tão benevolentes com os actuais responsáveis do 5 de Outubro.
A proposta não sobrevive ao mais rudimentar escrutínio. Primeiro, como podem os pais avaliar professores, se nem sequer os conhecem? Por outro lado, se não os conhecem, as informações em que se baseiam são transmitidas pelos filhos, de 10, 13 ou 16 anos! Ora, que maturidade tem uma criança ou adolescente para avaliar um professor?
Por outro lado, é preciso não esquecer que entre professor e aluno também existe uma relação de poder. E deixar na mão de um adolescente o poder de avaliar o educador é uma total perversão. O poder do educador não pode ser diminuído pelo receio de uma revanche do aluno. No limite, uma turma de marginais terá o professor na mão, porque se este os afrontar leva com uma avaliação negativa e o seu salário será diminuído. Em termos de relação de poder, é como se um juiz passasse a ser avaliado pelas pessoas que tem de julgar! Um completo absurdo.
E nem a tentativa da senhora ministra de tentar fugir à questão, dizendo que este é apenas um acto de avaliação, entre muitos outros, é minimamente admissível. Não é por ter menos peso que a proposta se torna mais séria ou aceitável! Além disso, um trabalhador não pode ver o seu desempenho avaliado por factores subjectivos, de que nunca poderá recorrer, deve ser
avaliado em função de critérios objectivos. A avaliação profissional é uma coisa séria, não pode ser uma lotaria. A insinuação de que os professores não querem ser avaliados é outra peça na campanha contra a classe que circula pelos média. A verdade é que os professores já eram avaliados até aqui, dependendo a aprovação da frequência de acções de formação e do cumprimento das tarefas atribuídas. É certo que o processo de avaliação não era muito exigente, mas a responsabilidade é, naturalmente, dos responsáveis do Ministério da Educação que aprovaram essa legislação, não dos professores, que se limitaram a cumprir o estipulado.
c) O mito da falta de assiduidade
Faço aqui um parêntesis para abordar a questão da assiduidade, que tem sido alvo de uma campanha demagógica contra a classe docente. Em primeiro lugar, o ensino é uma profissão maioritariamente de mulheres. Ora, tradicionalmente, quem cuida dos filhos quando estes estão doentes são as mulheres, sem falar que mulheres engravidam e, por isso, também têm por vezes de faltar por razões de saúde. Por isso, é natural que a assiduidade seja menor entre os professores que noutras profissões. Qual é a alternativa? Querem que as professoras deixem os seus filhos ao abandono?
Por outro lado, a falta de um professor tem uma repercussão social ampliada. Quando um funcionário falta numa repartição o utente raramente dá por isso. No caso dos professores, quando um deles falta um único dia, há 150 alunos que dão pela sua falta e que contam a 300 pais. No total, a falta de um único professor é notada por quase meio milhar de pessoas.
Por outro lado, não entendo porque os professores não podem repor as aulas em que têm de faltar. Bastaria que, para tal, fosse marcado no horário escolar uma mancha para esse efeito. Aqui está um mecanismo de gestão que, incompreensivelmente, não é utilizado e que poderia minorar bastante os efeitos das ausências pontuais dos professores.
Por outro lado, é preciso entender que os professores têm horários extremamente rígidos e a um simples atraso de 5 minutos, devido a trânsito intenso ou outro motivo imprevisto, pode corresponder uma falta de um dia inteiro, se essa for a única aula do dia, ou, no mínimo, a ¼ de dia de falta.
Quantos profissionais deste País têm penalizações tão gravosas, embora compreensíveis, por atrasos de 5 minutos?
Além disso, é uma profissão muito exigente em termos de cansaço e desgaste psíquico. Um dia inteiro a lidar com adolescentes irreverentes é uma tarefa duríssima, sobretudo, quando se tem de lidar com turmas problemáticas, sem falar no trabalho que os professores levam para casa. Por isso, por vezes, quando um professor está "de rastos", nada mais lhe resta que parar um dia,
mesmo perdendo um dia de férias, para recuperar energias ou até a sua sanidade mental.
Seguramente, não é por causa da assiduidade dos professores que o ensino está mal. A única excepção sucede quando um professor está de atestado médico menos de um mês, uma vez que a legislação só permite a substituição se a ausência for igual ou superior a um mês. O incumprimento do programa agrava-se ainda mais quando a instabilidade da saúde professor o leva a pôr sucessivos atestados médicos de curta duração.
São casos raros, mas acontecem e penalizam bastante os alunos. No entanto, cabe ao Ministério da Educação modificar essa legislação e encontrar soluções mais criativas para que os alunos não fiquem sem aulas tanto tempo.
d) Avaliação sim, mas objectiva
De qualquer forma, quem não deve não teme e os professores não têm qualquer problema em ser avaliados, desde que os critérios sejam objectivos e estejam relacionados directamente com o seu trabalho. Não é aceitável que a sua avaliação dependa dos resultados dos alunos, pela simples razão de que os resultados dependem de muitos outros factores, além do trabalho do professor.
Por exemplo, um professor com turmas problemáticas nunca pode ter os mesmos resultados que um professor com bons alunos. Por outro lado, isso seria mais um convite ao facilitismo porque, naturalmente, pressionaria os professores a inflacionar as classificações dos alunos.
Por outro lado, é clara a intenção deste Governo ao fixar numerus clausus no acesso ao topo da carreira e não querer pagar aos professores, independentemente do seu mérito ou competência. Ora, como quer o Governo atrair para a carreira bons profissionais se não lhes paga em consonância? A proletarização da classe docente é uma realidade típica de países de Terceiro Mundo, não de países civilizados. E mal vai Portugal se tenciona continuar a desvalorizar a profissão de professor.
Parafraseando a magnífica frase de Medina Carreira há alguns dias na RTP, também "eu gosto dos determinados, mas é quando acertam." Como já aqui demonstrei, a nomeação desta equipa da Educação é um monumental erro de casting e o País vai pagar caro a política populista e voluntarista que está a ser seguida neste sector. Em vez de mobilizar energias, Maria de Lurdes
Rodrigues mais não faz do que incendiar o País e comprar guerras inúteis e despropositadas com os professores.
O descrédito da actual equipa da Educação é total nas escolas portuguesas e, por mais que isto custe a José Sócrates, tal não se deve a questões salariais, mas ao facto da sua competência não ser reconhecida. Não se governa um País com base em estatísticas, sobretudo, quando não se percebe o que está por detrás desses números. E quanto mais Maria de Lurdes Rodrigues brande desajeitadamente as estatísticas, mais expõe a sua ignorância e se põe a ridículo aos olhos dos professores. E muito mal vai uma organização quando os subordinados não reconhecem a competência do chefe.

Mário Lopes.

in: http://www.tintafresca.net/noticia.aspx?sID=3202&EdicaoUltima=68