terça-feira, dezembro 12, 2006

Os alunos mais especiais à espera de um apoio

São dois, ambos autistas. Assistem às aulas da turma do 6.º ano que frequentam, mas acabam muitas vezes por não chegar ao fim da lição. Um "é mais sossegado", o outro "faz mais ruídos". Enquanto o primeiro fica quieto a um canto sem actividades, o segundo é frequentemente levado por uma auxiliar educativa para longe da sala. Os colegas - com 10, 11, 12 anos - estranham. Não percebem porque é que "a professora nem lhes dá uns desenhos para fazer, como no ano passado". Os exemplos multiplicam-se. Entre alunos autistas, surdos, com trissomia 21 ou invisuais, os sindicatos garantem que há 2322 estudantes com necessidades educativas especiais (NEE) abandonados nas escolas sem apoio especializado.O Ministério da Educação desmente "categoricamente" os números e diz que está a "atender caso a caso" os poucos que existem. O DN foi ouvir as escolas e os pais. Das escolas obteve muitos silêncios. Junto das associações de pais soube que, com a Federação Regional de Lisboa das Associações de Pais (Ferlap) à cabeça, está já a ser criado um grupo de trabalho para avaliar a situação. "As escolas não estavam preparadas para isto", atira o presidente do conselho executivo do agrupamento de escolas de Sátão, Eduardo Ferreira. "Isto" é a criação de um grupo específico de docência para a Educação Especial nos concursos de colocação de professores. É a razão do caos, para a Federação Nacional de Professores (Fenprof), que esta semana se envolveu numa troca de acusações com o ministério, quando divulgou um levantamento de dados que fez junto de 46% dos estabelecimentos de ensino do País e que a tutela afirmou ter sido falseado.Segundo a Fenprof, "faltam nas escolas centenas de docentes de Educação Especial e do Apoio Educativo e há milhares de alunos com necessidades educativas especiais sem apoio". Nas mesmas escolas "continuam a faltar os psicólogos e demais técnicos, e há poucos auxiliares de acção educativa, tantas vezes substituídos por tarefeiras."Só que, em directo no Fórum TSF de terça-feira, o secretário de Estado da Educação Valter Lemos afirmou que "não é verdade que existam esses ou outros números porque todos os casos que eventualmente tenham sido detectados têm sido atendidos pelo ministério". A Fenprof insistiu e Valter Lemos também: "Considero bastante grave que prefira manter as crianças sem acompanhamento ao não informar o ministério e, em vez disso, faça estas acusações."Vítor Gomes, responsável da Fenprof para o Ensino Especial, respondeu de imediato e com ironia: "Percebo que entre as secretarias de Estado parece não haver comunicação, já que estes números foram dados a conhecer ao secretário de Estado adjunto e da Educação Jorge Pedreira." Quatro professores, 50 alunosNo meio do fogo cruzado, ficam as escolas. Contactadas pelo DN, poucas quiseram revelar como decorreu o primeiro período de aulas dos alunos com NEE. Houve, na- turalmente, excepções. Fernando Horta, presidente do conselho executivo do agrupamento de escolas de Seia, admite ao DN as dificuldades que tem sentido. "Temos três alunos que precisam de terapeuta da fala e não existe aqui nenhum. Mas o maior problema é a falta de um psicólogo, porque esta zona é muito deprimida." E acrescenta: "A Direcção Regional de Educação do Centro requisitou-o para a Segurança Social de Leiria e criou-nos um problema grave. Até já escrevemos à ministra, mas não obtivemos resposta."Fernando Horta confessa até que já se viu sem saída: "Às vezes aparecem outros casos graves que não podemos mesmo apoiar e que têm de ir para outras escolas." E já teve de encontrar soluções menos más, como a de ter "crianças com atrasos intelectuais e um desenvolvimento muito abaixo do normal a serem acompanhadas por docentes de apoio sem especialização". É que nas escolas de Seia, há quatro professores para cinquenta estudantes com NEE. O conselho executivo diz que "a escola faz o que pode", mas também diz que sabe que isso é pouco.Apoio versus integraçãoEm Sátão, Eduardo Ferreira considera que foi a grande distinção entre a Educação Especial e os apoios educativos que criou a instabilidade que se vive nas escolas. "A maior parte das escolas tiveram dificuldade em saber que alunos estavam em cada um dos grupos", afirma. Para piorar o cenário, "neste agrupamento perdemos cinco professores de NEE de um ano para o outro". Mas não é só: "O facto de os professores terem os alunos espalhados pelo agrupamento faz com que seja mais difícil acompanhar todos." Nestas escolas, "para colmatar as falhas, os alunos foram contactados para que se percebesse quais é que necessitavam mais de apoio". Depois, "os que não puderam ser enquadrados nas NEE foram para o apoio". Eduardo Ferreira garante, contudo, "que não há nenhum aluno que não esteja integrado". Isto, claro, "se podemos considerá-los integrados quando só têm o apoio".A iniciativa dos paisCom apenas alguns meses de presidência da associação de pais da Escola Secundária de Santa Maria, em Sintra, António Pedro Gomes da Silva já tem uma queixa para fazer: "A psicóloga que trabalhava na escola foi-se embora e nunca foi substituída, apesar dos alertas feitos." Na mesma tarde em que António Pedro participou no Fórum da TSF, no entanto, "o ME fez chegar à escola duas técnicas que pegaram nos processos dos alunos com NEE e foram às salas de aula ver que necessidades estavam em causa", conta.Carlos Teixeira, da associação de pais do agrupamento de Castanheira, Vale do Carregado e Quintas, não tem "números globais", mas sabe de um caso preocupante. "Numa escola básica de Quintas havia dois irmãos com NEE. Uma está nas aulas, mas o outro - que sofre de uma paralisia - está em casa porque não temos professor para ele", diz. E desabafa: "Nem sei se a escola o poderá ajudar."Convencido desde Janeiro que o ano lectivo dos alunos com NEE não seria fácil, Manuel Barata, representante do conselho executivo da Escola Delfim Santos, no Alto dos Moinhos, em Lisboa, é um dos responsáveis pela criação do grupo de trabalho que quer tomar posição sobre esta matéria junto do Ministério. "Neste momento, estamos a fazer o levantamento dos casos através das concelhias de Sintra, Loures e Vila Franca de Xira." Às escolas têm chegado cartas de pais preocupados e "sabe-se que as coisas não estão melhores do que no início do ano". Por isso, "e já que nenhum serviço está a fazer a avaliação do que se passa, os encarregados de educação vão intervir", garante.Contactado pelo DN, o Ministério da Educação não quis prestar quaisquer esclarecimentos sobre esta matéria.

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