quarta-feira, junho 04, 2008

“Não é possível educar sem memória”


Sara R. Oliveira 2008-06-03

Margarida Louro Felgueiras mantém a esperança de criar um Museu Vivo da Escola Primária. O objectivo é preservar uma herança educativa do país.
Margarida Louro Felgueiras, professora, investigadora e autora de "Para uma história social do professorado primário em Portugal no século XX. Uma nova família: O Instituto do Professorado Primário Oficial Português", mantém a vontade de criar um Museu Vivo da Escola Primária. "Temos um protocolo com a Câmara de Paredes, mas tudo indica que não se concretizará, apesar das melhores relações que tenho mantido com a autarquia. Terei de encontrar novos parceiros, se tal acontecer". Seja como for, já há trabalho na forja. "De momento pretendo fazer o levantamento possível dos espólios das escolas para salvaguardar o que ainda for possível, estudar, dar-lhe significado. É esse compromisso que tenho comigo mesma, de conhecer, alertar, despertar pessoas para a conservação da herança educativa. Desenvolver pós-graduações (mestrado, doutoramento) e formação contínua de professores no âmbito da Herança Educativa, com valências de pesquisa histórica, conservação e animação de espaços culturais." "Às vezes dizem-me que isto não tem interesse, que não é valorizado para a progressão dos professores. A atenção à realidade exige-me um enorme esforço de distanciamento perante tanta ignorância. Não é possível educar sem memória!", comenta. E há muito para expor nesse museu. A investigadora tem espólio do Instituto do Porto e há ainda doações de professores e outras pessoas. "Seria um passo para a recuperação de uma parte importante da nossa escolarização, pois funcionaria como o cadinho de outras investigações."De volta à obra literária que a determinada altura aborda a desvalorização do professorado primário. O que se passou? "A ditadura! Existiu, sabe. Hoje parece que anda muita gente apostada em convencer as pessoas de que não se passou nada. Mas passou e o movimento associativo dos professores foi atingido logo de início, em 1927." "Foram presos dirigentes, fechada e, podemos afirmar, roubada a União. Foi reaberta pelo tribunal mas fechada em 1932 pelos próprios professores, quando viram que não podiam exercer com um mínimo de liberdade a sua acção. Houve a reforma do ensino primário, com toda a desvalorização dos professores, que ficaram sem qualquer autonomia, mesmo para usar um livro na escola, que ficaram sob suspeita e que qualquer um podia denunciar anonimamente", lembra a professora.Há mais acontecimentos nesta parte da História que Margarida Felgueiras reconstruiu. "Baixaram os salários reais dos professores, fecharam as escolas normais em 1936. Quando reabriram as escolas do Magistério, a formação estava reduzida a quase nada. Criaram regentes escolares, que eram uma ameaça constante aos professores, pois ganhavam quase metade do ordenado já miserável do professor. Foram fechadas as revistas dos professores e, na prática, todos eram obrigados a assinar a revista do regime. Foram proibidas as reuniões, as associações, as conferências. Foram criticados os métodos novos e feita a defesa de métodos 'nacionais!'". O próprio Instituto mudou de nome para Instituto Sidónio Pais (do Professorado Primário) - "apagando assim toda a luta em prol da criação do Instituto e aparecendo como uma esmola do Sidónio". "Tudo isto apagou o papel dos professores, quebrou, a par de outras medidas repressivas, a sua organização. Foi uma acção sistemática, prolongada no tempo e em várias direcções. Os professores ficaram reféns de uma cultura popular, fatalista e resignada, apegada não a um D. Sebastião mas a Fátima! Mais do que serem porta-vozes de uma cultura letrada no país rural, foram muitos deles ruralizados pelo isolamento e pobreza em que viviam", lembra. Do passado para o presente. O professor tem vindo a perder autoridade? "É indiscutível do ponto de vista global e para todos os sectores de ensino. Na capa do meu livro há uma cadeira que está vazia. É simbólica mas traduz uma sensação muito real. Ainda vamos ver o que vai acontecer com o Ensino Superior!" "Mas isso prende-se com a situação social e política do país. Hoje os professores vivem o maior ataque à sua imagem e à profissão desde os anos negros da ditadura. Acho que é motivo de orgulho termos como secretário-geral da FENPROF, a maior organização de professores do nosso país, um colega que é professor do 1.º ciclo. É um sinal de vitalidade do movimento sindical, que ultrapassou já a hierarquização com base no trabalho sectorial dos níveis de ensino e é capaz de pensar a profissão a partir do cerne da sua actividade - a problemática do trabalho docente -, que diz respeito a todos os níveis de ensino.""Penso que a melhor resposta à tutela, que é um dos elementos responsáveis, ao longo de duas décadas pelo menos, desta desvalorização sistemática dos professores, é esta aposta na participação organizada nos sindicatos, instrumentos capazes de dar voz às reivindicações dos professores; a procura de uma formação cada vez mais exigente, que leve a intervir criticamente e a modificar os contextos das escolas, desenvolvendo projectos, tornando-as de facto mais inclusivas e locais onde seja possível ser feliz; a participação em jornais e revistas, apresentando e debatendo pontos de vista, criando opinião pública capaz de se juntar aos professores por uma educação pública de qualidade", defende a docente.

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