quinta-feira, novembro 22, 2007

Alunos surdos no ensino regular


Sara R. Oliveira 2007-11-21
A criança surda "deverá estar num meio verdadeiramente bilingue" para desenvolver a primeira língua - a Língua Gestual Portuguesa.
Os números são conhecidos. Cerca de 800 alunos surdos distribuídos por vários estabelecimentos de ensino. Este ano lectivo, 65 formadores, mais 12 do que no ano passado, 58 intérpretes de Língua Gestual Portuguesa (LGP), mais 17, além de 146 terapeutas ocupacionais, da fala e fisioterapeutas. O Ministério da Educação (ME) sublinha, no seu site, as melhorias na área da educação especial, e anuncia que há 22 agrupamentos num total de 72 escolas para estudantes surdos profundos e severos. E adianta que em perspectiva está a elaboração de um Programa de Língua Gestual Portuguesa para os alunos surdos que frequentam a educação pré-escolar e os ensinos Básico e Secundário. "A criação de redes de escolas de referência permite uma melhor organização dos recursos humanos, materiais e didáctico-pedagógicos, essencial para responder, nas melhores condições, aos diversos tipos de necessidades", sublinha. Os alunos surdos estão verdadeiramente integrados no ensino regular? "Uma criança surda numa turma de crianças ouvintes está fisicamente na sala, mas o acesso à informação e a todas as aprendizagens que se fazem em sala de aula é muito limitado. Isto acontece porque toda a comunicação na sala, a transmissão dos conhecimentos, é em português oral. A criança não ouve, logo não tem acesso às aprendizagens como os colegas têm", observa Paula Estanqueiro, coordenadora da Unidade de Língua Gestual da Associação Portuguesa de Surdos. A responsável considera que é altura de se avaliar o acesso e sucesso escolares dos alunos surdos, uma vez que "a integração de crianças surdas isoladamente em turmas de crianças ouvintes é uma prática comum em Portugal"."O professor é colocado perante uma turma em que existe uma criança surda, sem nunca ter tido qualquer tipo de preparação que o capacite para trabalhar eficazmente com ela. Tenta dar o seu melhor, mas tem a turma toda para ensinar. A criança surda vai crescendo, passando de ano com poucos conhecimentos reais. Chega ao 9.º ano, ou ao 12.º ano, e apercebe-se de que não tem os conhecimentos que deveria ter, que o certificado escolar não corresponde aos seus conhecimentos reais, como se tivesse sempre sido ensinada numa língua estrangeira, que nunca conseguiu dominar, para apreender as matérias que lhe são passadas nessa língua", realça. Para Paula Estanqueiro, no pré-escolar e no Ensino Básico, a criança surda "deverá estar num meio verdadeiramente bilingue" para desenvolver a primeira língua, a LGP, e iniciar a aprendizagem do português. "O aluno surdo deverá ter acesso pleno a todos os conteúdos curriculares, com o mesmo grau de profundidade e de exigência que se proporciona aos alunos ouvintes." Conhecimentos que, em seu entender, devem ser transmitidos na primeira língua, "a que domina melhor e na qual pode questionar, raciocinar e apreender sentidos". A coordenadora admite, no entanto, a realização de actividades em conjunto, entre alunos surdos e ouvintes, "aprendendo desta forma a conhecer e respeitar as diferenças, conhecendo o outro como diferente mas seu igual, com as mesmas capacidades e direitos". "Para um verdadeiro acesso à língua, é necessário que se dê à LGP o mesmo número de horas que se dá para a aprendizagem do português como primeira língua aos alunos ouvintes", defende. Para Paula Estanqueiro, a intervenção começa bem cedo. "É preciso olhar para a criança surda e deixar de ver uma criança que não ouve, e antes ver que é uma criança surda, que pertence a uma comunidade linguística e cultural rica, a comunidade surda, que tem direito a adquirir uma língua que para ela é natural, a LGP." "A intervenção precoce, feita de forma adequada, incluindo profissionais surdos que poderão servir de modelo de língua e de identificação para a criança e a família, é essencial", reforça. Joana Rita Sousa, intérprete de Língua Gestual Portuguesa com quatro anos de experiência na Unidade de Apoio a Alunos Surdos de Leiria, considera que a integração dos alunos surdos no ensino regular acontece, mas há obstáculos que têm de ser contornados. "Essa integração existe, mas não em pleno porque há a barreira da comunicação." "Não é uma coisa imediata com os que falam a mesma língua, demoram-se dois a três anos a criar laços de amizade com os colegas de turma", afirma. A técnica conta que "os alunos estão em turmas de surdos" na unidade de Leiria. "Tudo o que sejam aulas mais teóricas, desde o 1.º ciclo ao Secundário, os alunos surdos estão à parte da turma, mas não estão isolados entre si". A separação entre alunos surdos e ouvintes prende-se com o ritmo, não com a capacidade de aprendizagem. "Os ritmos são diferentes para a língua portuguesa e para a língua gestual. Nas aulas mais práticas, os alunos são integrados", acrescenta. "Os resultados têm sido bons. Os alunos não ficam inibidos de fazer algumas questões, de tirar dúvidas." Joana Sousa lamenta, no entanto, a tardia colocação dos técnicos e formadores da área de língua gestual, que no início de Outubro, duas semanas depois do arranque do ano lectivo, ainda estavam a ser colocados. "A este nível ainda funciona muito mal. Os alunos ficam prejudicados e a integração não existe", remata.Na Unidade de Apoio a Alunos Surdos de Santa Catarina, Caldas da Rainha, os alunos surdos estão no mesmo espaço com os restantes colegas, tanto na parte mais teórica como na prática. Vanessa Lopes, terapeuta da fala dessa unidade, revela que é estabelecido um plano de acompanhamento individual, com objectivos definidos, para os alunos surdos. "Em termos sociais, a integração tem funcionado muito bem", sublinha. "São muito bem aceites pelos colegas, sentem-se iguais aos outros." Na opinião da técnica, nos anos em que há muitas disciplinas e uma carga horária "pesada", deveria "ser explorada uma determinada área e não querer abranger tudo". Vanessa Lopes também realça o atraso nas colocações e a mudança dos técnicos que poderá levar à alteração do projecto de trabalho. "Quando não é a mesma pessoa que vai continuar o trabalho, começa tudo do zero", aponta.

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