segunda-feira, novembro 27, 2006

Novo ECD aprovado contra a vontade dos sindicatos
Marta Rangel 2006-11-24

O Governo aprovou ontem o novo Estatuto da Carreira Docente. Apesar de a ministra da Educação acreditar que o diploma vai ser cumprido na íntegra, os sindicatos afirmam que vai provocar "a mais grave crise de sempre no sistema educativo".

Depois de cumpridos os prazos legais de negociação entre o Ministério da Educação (ME) e os sindicatos do sector, a tutela decidiu impor o documento mais contestado de sempre pelos professores.

Segundo Paulo Sucena, porta-voz da pataforma sndical, que reúne 14 sindicatos da área da Educação, "o Estatuto da Carreira Docente vai gerar a mais grave crise de sempre no sistema educativo".

Em conferência de imprensa, no final do Conselho de Ministros, onde o diploma foi ontem aprovado, Maria de Lurdes Rodrigues desvalorizou os protestos dos sindicatos da Educação relativos ao novo Estatuto da Carreira Docente (ECD), afirmando que "a história política está cheia de episódios em que não houve acordo" com as estruturas sindicais.

"No diploma referente aos concursos, também não houve acordo com os sindicatos dos professores, mas o processo correu bem. Muitos professores percebem que este novo Estatuto da Carreira Docente serve para diferenciar, recompensar e dar maiores responsabilidades aos melhores professores, defendendo a escola pública", declarou a ministra da Educação.

No entanto, Paulo Sucena salienta que o documento não obteve o acordo de nenhuma das 14 organizações sindicais, "nem tão-pouco um acordo parcelar", porque o Ministério da Educação nunca apresentou argumentos que convencessem os professores de que o estatuto "visa melhorar a qualidade de ensino e combater o insucesso e abandono escolar".

"O que temos não é um ECD assumido pela classe docente, mas sim um estatuto imposto pelo Ministério da Educação, com fins de natureza economicista para aliviar os gastos com os salários de educadores e professores", acrescentou o sindicalista.
Em declarações aos jornalistas, Maria de Lurdes Rodrigues reconheceu haver "descontentamento" em relação "a aspectos particulares" do diploma, mas adiantou que "nas escolas há actualmente um clima tranquilo e de trabalho".

Segundo a titular da pasta da Educação, o novo ECD, "que altera substancialmente o que se encontra em vigor, vai permitir premiar o mérito dos melhores professores, através da introdução de uma avaliação do desempenho rigorosa, melhorar o funcionamento e organização das escolas e aumentar o rigor nas condições de acesso à docência".

Quanto à estruturação da nova carreira dos docentes, Maria de Lurdes Rodrigues referiu que o diploma prevê duas categorias - a de professor e a de professor titular -, ficando reservada a esta última e superior "o exercício de funções de coordenação e de supervisão".

Para o acesso à categoria de professor titular, o diploma estabelece a existência de uma "prova pública que, incidindo sobre a actividade profissional, permita demonstrar a aptidão dos docentes para o exercício das funções específicas que lhe estão associadas".

Tanto a divisão da carreira em duas categorias, com a introdução de quotas para aceder à mais elevada, como a introdução do exame de ingresso são algumas das questões mais contestadas pelos docentes.

"Outro dos aspectos altamente negativos é o exame de ingresso que não é mais do que uma profunda desconfiança em relação às instituições de ensino superior que formam os professores", salientou Paulo Sucena, porta-voz da plataforma dos sindicatos da educação.

Na conferência de imprensa, depois de confrontada por várias vezes com os protestos das organizações sindicais, a ministra da Educação alegou sempre que o decreto "responde simultaneamente aos problemas dos professores, defende a escola pública e o interesse geral dos alunos e suas famílias".

Ao longo das negociações, "os sindicatos tiveram sempre a mesma posição, em defesa do estatuto que se encontra em vigor. Da mesma forma, o Governo foi sempre fiel à sua vontade de mudança", sustentou Maria de Lurdes Rodrigues.

O primeiro-ministro, José Sócrates, deu já "os parabéns" à ministra da Educação, afirmando que o novo ECD é "um passo muito importante para termos uma educação de excelência e para valorizar a escola pública". Minimizando as críticas dos sindicatos, José Sócrates saudou a existência de um exame de admissão e garantiu que "os professores percebem bem que o anterior sistema não podia manter-se".

Recusando conformar-se com o novo ECD, Paulo Sucena garante que as próximas acções da plataforma sindical passam por uma audiência com o Presidente da República. Os sindicatos querem expor a Cavaco Silva inconstitucionalidades que afirmam existir no diploma, tendo por base pareceres de dois constitucionalistas que recusaram revelar.

Além de acções no plano institucional e jurídico, os docentes decidiram ainda instituir o Dia de Luto do Professor, que passará a ser assinalado todos os anos na data em que o ECD for publicado em Diário da República.

Junto dos grupos parlamentares, a plataforma anunciou que PSD e PCP se comprometeram a tentar garantir a apreciação do diploma em plenário, ficando assim sujeito a eventuais alterações ou a pedidos de fiscalidade.

Apesar de salientar o "saldo positivo" das marchas, greves, vigília e abaixo-assinados, que levaram a tutela "a recuar em alguns aspectos importantes", Paulo Sucena admite um período de abrandamento nas lutas e protestos, considerando que é altura de fazer "um profundo esclarecimento" aos professores sobre o diploma aprovado ontem. No entanto, assumiu a possibilidade de greves durante o período de regulamentação.

"As greves neste momento não estão em cima da mesa. No entanto, se a fase de regulamentação suscitar a indignação dos docentes essa hipótese volta a ser viável", afirmou.

Em comunicado enviado hoje às redacções, a FENPROF reitera todas as medidas já referidas e anunciadas pela plataforma sindical dos professores e acrescenta ter a intenção de promover uma "consulta/referendo nacional junto dos professores e educadores portugueses, em Janeiro próximo, solicitando-lhes que manifestem a sua posição face ao ECD imposto pelo ME".

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