segunda-feira, novembro 27, 2006


O tranglomango da formação de professores

Era um vez doze donzelas
Todas vestidas de bronze,
Deu o tranglomango nelas
Não ficaram senão onze.
Era uma vez onze donzelas
Que se passeavam uma de cada vez
Deu o tranglomango nelas
Não ficaram senão dez.
Etc..(João Formosinho, 1991)
O Governo está a tentar cumprir o seu dever, como é dever seu. Para isso, tem de corrigir muitos erros do passado correndo também o risco de praticar os seus. Infelizmente, aquilo sobre que vou reflectir e que considero que o Governo, através do Ministério da Educação, está a fazer mal, não é uma coisa banal pois não é banal a formação de professores, sobretudo a dos professores de crianças. Refiro-me ao anteprojecto de Decreto-Lei que foi enviado às instituições de ensino superior para discussão pública, sobre a organização dos cursos e ciclos da formação dos professores. Acho bem que a formação tenha o nível do mestrado mas já acho mal que este, para os educadores de infância e professores do 1º CEB possa durar só um ano. Tanto mais que o Decreto-Lei anterior, o 74/2006, considera excepcional esta duração e só se ela estiver consolidada em práticas europeias. Mas o pior ainda não é isto mas sim a mistura da formação, no mesmo ciclo de licenciatura, dos educadores de infância, dos professores do 1º CEB e dos professores do 2º CEB, remetendo a especificidade da formação de cada um destes professores para o 2º ciclo de formação, ou seja, o mestrado, com a duração, como disse, de apenas um ano..Também aqui o anteprojecto vai contra os perfis de formação definidos nos Decretos-Lei nº 240 e 241/2001, perfis que – diz-se no anteprojecto -, devem constituir as referências da formação. Ora, tais perfis demarcam claramente os três modelos de professor, separando-os. Este anteprojecto, pelo contrário, pretende fazer deles um só, ao nível da licenciatura.Esta união até seria possível se a concepção proposta para a formação dos educadores de infância e dos professores do 1º CEB não violasse claramente os princípios do Decreto-Lei 344/89, o qual exige uma formação educacional e de prática pedagógica de 60% do total do currículo da formação. Ao reduzi-la para entre 38% e 42%, este anteprojecto mata o conceito de educador de infância e de professor do 1º CEB. Na sequência deste assassinato, compartimenta-se o ensino tanto da educação de infância quanto do 1º CEB. Tudo ao contrário do que se adquiriu ao longo dos últimos 40 anos mas em conformidade com o espírito inculto e cientês de certos engenheiros que já foram ministros. Um deles, Marçal Grilo, disse mesmo que um dos males deste país era o eduquês, pretendendo significar com o termo o pretenso excesso de preocupação com o saber ensinar e a pouca preocupação com o saber científico, como se uma coisa implicasse a outra.Tudo mudou pois perante o eduquês de Marçal Grilo e o cientês de Vasco Pulido Valente. Na sequência, retiraram o estudo dos Lusíadas do ensino secundário (Governo do PS, 2000), agravaram o insucesso escolar a Matemática, a Português e a Física (desde 1996, até hoje) e, como se a cultura e o espírito crítico os afrontasse, preparam-se para retirar a Filosofia do Ensino Secundário. Afinal, o cientês é mesmo inculto.A verdade é que nem o Estado Novo fez tão mal na formação dos professores do ensino primário. Os planos de formação de professores das Escolas do Magistério Primário, previam, a partir de 1960, 60% da formação na vertente educacional e de prática pedagógica. Os agora apresentados, propõem entre 38 e 42%.O tranglomango começou a atacar pois a educação e a cultura, as donzelas dos Séculos XIX e XX. Vem aí o cientês e, com ele, um mais que provável retrocesso cultural em educação e em formação. Sinais dos tempos e do regresso da barbárie nas relações sócio-económico-culturais, no dealbar do Século XXI. Foi este cientismo que deu origem às duas guerras mundiais. A que dará origem agora?
mail: Henrique Ferreira

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