segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Nunca tinha visto isto

Mais de uma centena de professores surpreenderam ontem José Sócrates com uma manifestação frente à sede do PS, onde o primeiro-ministro se reuniu com professores socialistas para discutir a política para a Educação. Fortemente vaiado à entrada, José Sócrates reagiu indignado e acusou os protestantes de pertencerem a outros partidos políticos e de quererem condicionar o PS.

Nunca tinha visto isto em tantos anos de democracia e considero absolutamente lamentável”, afirmou o primeiro-ministro, numa declaração que fez questão de prestar aos jornalistas.Convocados por SMS para se concentrarem às 16h00 no Largo do Rato, foram dezenas os docentes que responderam ao apelo para protestarem contra as políticas do Governo para a área da Educação, mesmo desconhecendo a origem da convocação. “Sou professora e vim de livre vontade porque estou indignada com a política traçada para a Educação. Não sou militante, nem este protesto foi convocado por nenhum partido ao contrário do que o senhor primeiro-ministro afirmou”, disse ao CM uma professora que preferiu manter o anonimato. Questionada sobre a razão pela qual não se quis identificar, a resposta surgiu em eco: “Porque podemos ter negativa na avaliação.”Mas para José Sócrates não há dúvidas: “Não são professores, são militantes de outros partidos. Eu sei bem do que estou a falar”, declarou o primeiro-ministro, referindo que “são pessoas que já fizeram o mesmo no Congresso do PS” e que “há três anos” se manifestam onde quer que esteja.“É absolutamente lamentável que agora façam manifestações à porta do PS tentando condicioná-lo. Já deviam saber que o PS não se deixa condicionar e não deixará de seguir a sua linha política”, afirmou José Sócrates, garantindo que a avaliação dos professores e as mudanças na gestão das escolas vão avançar. “O que estamos a fazer é melhorar a escola pública”, rematou, antes de se reunir com a ministra da Educação e professores socialistas.Lá fora, os manifestantes assobiavam a todos os que entravam na sede socialista e chamavam José Sócrates de “mentiroso”.
MINISTRA PROMETE "DESCOMPLICAR
A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, considerou “necessário fazer o trabalho para descomplicar, para simplificar” o processo de avaliação dos professores. Na SIC Notícias, a ministra disse que serão dadas “todas as condições para que [as escolas] façam [a avaliação] com conforto”. Esta posição surgiu no dia em que um quarto tribunal deu razão aos sindicatos, aceitando a providência cautelar onde é pedida a suspensão da eficácia dos despachos do ME.Em discussão têm estado os prazos dados às escolas para definir os instrumentos de registo e indicadores de medida, que permitirão recolher a informação para o preenchimento das fichas de avaliação. O prazo terminava dia 25, mas o ME decidiu autorizar o não cumprimento, desde que a avaliação avance ainda este ano.Os resultados escolares e a redução das taxas de abandono contam para a avaliação. Os coordenadores de departamento e os presidentes dos conselhos executivos são os avaliadores, que serão, por sua vez, avaliados por inspectores. A avaliação é essencial para progredir na carreira.
CONSELHO GERAL SEM PROFESSOR
O novo regime de autonomia, gestão e administração escolar é um dos pontos de discórdia entre os sindicatos e o Ministério da Educação. A proposta do Governo prevê a criação do Conselho Geral, futuro órgão máximo da direcção estratégica da escola, que terá competência para poder escolher e destituir o director do estabelecimento de ensino – que terá de ser professor. A discórdia surge porque o Conselho Geral só poderá ser presidido por um encarregado de educação, elemento da autarquia ou representante da comunidade local. Os sindicatos consideram “diminuída ao máximo” a participação dos professores nas escolas. Até o Conselho das Escolas, órgão consultivo criado pelo Governo de José Sócrates, criticou esta proposta, sugerindo 20 alterações.
"PROTESTO NÃO É O MAIS ADEQUADO": Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof
Correio da Manhã – A Fenprof convocou o protesto à porta da sede do PS?Mário Nogueira – Não temos nada a ver com a manifestação. A Fenprof está solidária com os professores, mas não se identifica com este tipo de protestos. Não é adequado protestar à porta de um partido. Achamos mal. – A imagem dos professores sai manchada?– Há 150 mil professores e não são cem ou duzentos que mancham a classe.– Como vê o encontro de José Sócrates com professores socialistas? – Se o senhor primeiro-ministro quer discutir com os professores, tem de reunir com os sindicatos. Acho que o secretário-geral do PS quis juntar uns apóstolos para espalharem pelo País a sua mensagem.
REACÇÕES"QUERO UMA AVALIAÇÃO JUSTA": Jorge Rocha Prof. de Filosofia
“Concordo com a avaliação dos professores, mas quero uma avaliação justa. A avaliação de desempenho dos professores dependente dos resultados dos alunos é um estímulo à descredibilização do sistema de avaliação dos alunos. Com a nova lei teremos ainda um director todo-poderoso.”
NÃO DEVEM FECHAR ESCOLAS": Rui Ferreira Prof. de Ens. Especial
“Não concordo que fechem escolas de Ensino Especial sem estarem criadas as condições para receber estas crianças nas escolas. Não concordo com um sistema de avaliação por quotas. Por que é que apenas dois professores podem receber bom se houver dez que merecem a mesma nota?”
JÁ SE NOTA A DESMOTIVAÇÃO": Sílvia Ramos Prof. de Música
“Já se nota nas escolas a desmotivação. No meu caso, que sou professora no plano de integração especial, onde estão jovens em situação de marginalidade, nem sei como vou ser avaliada. A nova legislação não faz qualquer referência ao Programa para Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil.”
PS REPUDIA PROTESTO NO RATO
O PS condenou o protesto dos professores, considerando-o um exemplo de “comportamento estalinista e antidemocrático”.
SÓCRATES NEGA PERSEGUIÇÕES
José Sócrates negou que os professores estejam a ser vítimas de perseguição: “Isso não existe nas nossas escolas.”
POLÍCIA NÃO FOI CHAMADA
Apesar de se tratar de uma manifestação ilegal, o PS optou por não pedir reforço policial, embora tivesse sido sugerido.
PROIBIDO
Apesar de a lei proibir o estacionamento na faixa reservada aos transportes públicos, os motoristas do líder do PS e primeiro-ministro não se coibiram de o fazer. Durante mais de duas horas as viaturas mantiveram-se à frente da sede do PS, no Largo do Rato, em Lisboa.A polícia não viu nada...
POLÍCIA NO SINDICATO
Em Outubro, na véspera da visita de Sócrates à Covilhã, a PSP foi a um sindicato recolher informações sobre o protesto dos docentes
CONSELHO POR CRIAR
Do Conselho Científico para a Avaliação dos Professores ainda só há um nome: o da presidente, Conceição Castro Ramos
MINISTRA NO PARLAMENTO
Maria de Lurdes Rodrigues vai à Comissão Parlamentar de Educação na terça-feira a pedido do Bloco de Esquerda
NÚMEROS
154 515 educadores de infância e professores nos estabelecimentos de ensino públicos, no ano lectivo 2006/07.10 972 estabelecimentos de ensino público, desde os jardins-de-infância às escolas profissionais, em 2006/07.1 450 073 alunos inscritos nos estabelecimentos de ensino público no ano lectivo de 2006/07.631,68 euros líquidos é o valor mínimo do vencimento de um professor que esteja em início de carreira.
Ana Patrícia Dias / Edgar Nascimento

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