segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Professores de um lado, governo do outro



A conferência internacional “Professores na Europa – Condições de Trabalho, Perfil Profissional e Carreira”, que encheu hoje uma sala do Hotel Lisboa Plaza, juntou à mesma mesa associações de professores, sindicatos e Governo, neste caso, representado pelo secretário de Estado adjunto da Educação, Jorge Pedreira. As intenções foram boas, os resultados parecem, pelo menos aparentemente, inexistentes.
Custódio Cónim, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, um dos promotores da conferência, sublinhou que “é preciso reformular, reestruturar e reinventar o ensino e todo o seu processo”, pois “existe um grave défice de educação em termos de qualidade”.
Estava dado o mote em que o secretário de Estado devia ter pegado. Não o fez. Em vez disso, mergulhou numa enfadonha aula de história que levou toda a audiência dos meados do século XIX, passando pelo regime escolar salazarista e hierarquizado, até à actualidade e, finalmente, ao assunto que a todos interessava: “a urgente necessidade de melhorar o sistema de ensino”.
Todo este esforço retórico terminou com o apelo de Jorge Pedreira aos professores e, principalmente, às escolas, para que “deixem de funcionar como uma comunidade e passem a trabalhar por objectivos”. Pedreira defendeu que “o mérito deve ser premiado”, lembrando que a revisão da carreira docente é uma realidade a ter em conta.
Vencimentos levam 90% do orçamento de Estado
Todos os professores que quiserem passar do patamar de simples professor para professor titular vão ter de o merecer e submeterem-se a um sistema de quotas. O secretário de Estado aproveitou ainda para recordar que, “nos últimos 10 anos, os progressos educativos foram muitos escassos” e lamentou que 90% do orçamento de estado previsto para a educação seja gasto com “os vencimentos dos professores”.
Do outro lado da barricada, Lucinda Dâmaso, da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação, e o seu colega Óscar Soares, da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), rejeitaram determinantemente a ideia de que os professores não querem ser avaliados.
Para Lucinda Dâmaso, a carreira docente tem de ser uma carreira atractiva e reconhecida, onde o valor e o mérito tenham um lugar de destaque, e claro, onde “os melhores sejam reconhecidos”. Para a sindicalista, “os melhores professores têm de assumir as lideranças”, conciliando o ensino com outras funções, administrativas ou coordenadoras.
Professores gestores
Contudo, refere ainda Lucinda Dâmaso, “os professores que não queiram assumir funções de liderança não devem ser prejudicados, pois a carreira de professor não pode ser comparada a nenhuma outra”. Esta foi uma forte referência às duas categorias de professores previstas pela revisão da carreira docente: os que se dedicam exclusivamente ao ensino e a actividades meramente pedagógicas, e os professores titulares, que poderão conciliar o ensino com funções de coordenação, gestão e avaliação na escola.
Óscar Soares, da Fenprof, acredita que a rejeição da avaliação por parte dos professores foi um ponto que enfraqueceu a luta pelos seus direitos e está certo de que “o sistema de avaliação é necessário e dá crédito”, defendendo que a melhor avaliação é a que avalia todos. “Acredito na avaliação para todas as partes, para os funcionários das escolas, para os professores, alunos e para as estruturas do ministério da educação”, sugeriu Óscar Soares, argumentando ainda que “a função essencial do professor é ensinar”, deixando no ar alguma estranheza por se “premiar o mérito dos professores quando fazem outras coisas que não seja dar aulas”.
Docentes contra docentes
Manuel Grilo, também da Fenprof, argumentou que “a revisão da carreira docente trará cisões e dificuldades, o que prejudicará o ensino”. Segundo Grilo, a redução da despesa com os vencimentos dos professores vai provocar uma diferença de salários entre as duas classes de docentes, “o que poderá corromper a relação entre professores”. Manuel Grilo finaliza sustentando que “a avaliação do desempenho não é fundamental para as melhorias das condições de ensino” e aponta o dedo ao “bloqueio” que o sistema de quotas no acesso ao escalão de professor titular irá provocar.
João Freire, autor do “Estudo sobre a Reorganização da Carreira Docente do Ministério da Educação”, puxou dos galões de antigo professor e deu uma aula com o auxílio de acetatos: tentou provar que "tem de haver uma avaliação externa, caso contrário poder-se-á cair na complacência".
Embora recorrendo a esses objectos tão queridos à classe docente, Freire não caiu nas boas graças dos professores, especialmente quando defendeu a existência de provas intermédias e nacionais, desde o ingresso no ensino até à aposentação. Tal como as que existem para os alunos, estas iriam traduzir-se em classificações desde o insuficiente até ao excelente, sendo que o insuficiente poderia levar à saída do professor do ensino. Como referiu o autor, “nestes casos podemos estar perante uma confusão na escolha da profissão”. João Freire recebeu pouca ou nenhuma receptividade da audiência e a aula, saída dos anos 80, terminou como começou.
Exemplos europeus
Da Finlândia, um país visto como rigoroso e exigente, veio um apoio de peso. Marjatta Melto, do sindicato de educação da Finlândia, corporizou o sonho de todos os professores presentes na audiência ao assegurar que, no seu país, “os professores não são avaliados, não há inspecções e não se tenta insistentemente relacionar os professores com os resultados obtidos pela escola ou turma”. Existe, sim, uma avaliação relativa à escola, mas sem notas. Marjatta defende que essas medidas não são necessárias na Finlândia, pois no seu país “confia-se nos professores.”
Na Alemanha a situação é diferente. Embora não exista um Ministério da Educação central, há um organismo que coordena as normas educativas em cada uma das 16 províncias alemãs, ou länders. O Ministério da Educação tem apenas uma intervenção opinativa e nunca vinculativa. As grandes diferenças salariais entre os vários professores são uma realidade, pois, como explicou Anne Jenter, do sindicato da educação e ciência de Frankfurt, com o pragmatismo típico dos alemães, “a remuneração é muito diferenciada porque uma criança não precisa de professores tão qualificados como os alunos das escolas secundárias”. Na pátria de Kant e Goethe, os professores têm de se submeter a avaliações, o conteúdo das aulas é rigorosamente vigiado e se os docentes quiserem candidatar-se a promoções de carreira, terão de fazer um pedido.

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