segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Sistema de empréstimos poderá vir a substituir a acção social”

No mandato que tem pela frente, vai começar por tentar convencer as associações a pagarem as quotas em atraso, num valor que ascende a 15 mil euros. Ricardo Pinto, eleito, no início do ano, presidente da Federação Nacional das Associações de Estudantes de Ensino Superior Politécnico (FNAEESP), explica a «apatia» do movimento associativo, mas diz que 2007 marcará uma viragem. Mal surjam as novas leis e reformas para o sectorDiário de Coimbra – O que espera deste mandato que agora inicia?Ricardo Pinto – Espero uma alteração da sustentabilidade económica da FNAEESP, que está a passar por dificuldades graves. Temos 52 associações federadas. Destas, quase 30 têm algum tipo de dívida para com a FNAEESP. Tudo acumulado, representa um montante na ordem dos 15 mil euros.DC – E qual é o orçamento para um mandato na Federação?RP – Em média, a Federação tem gastos de 10 mil euros por ano.DC – As associações são más pagadoras?RP – Todos os anos, há eleições para as associações, que, depois, perdem o vínculo com a Federação e deixam de pagar as quotas. Por isso é que, se calhar, só tivemos 14 associações na última eleição. A solução para o problema terá de passar por conversas cara a cara. Se não formos lá, as associações não se sentem atraídas a voltar.DC – Será sintoma de que a Federação, porventura, não as estará a representar?RP – Nos últimos tempos, com o Processo de Bolonha, as associações voltaram-se mais para dentro. Tentaram analisar o que se passava na sua própria casa: os processos a nível pedagógico, os novos ciclos… e não havia batalhas a nível exterior.DC – Este tipo de eleição na FNAEESP, na qual têm direito de voto as associações – portanto, só os dirigentes –, vem dizer que, mesmo ao nível das cúpulas, há desinteresse.RP – No último ano, assistiu-se a uma apatia do movimento associativo. Em Dezembro, houve um Encontro Nacional de Direcções Associativas e penso que aí se reavivou um pouco a chama. Este será um ano de bastante luta do movimento associativo. Quando começarem a aparecer as novas leis e reformas que o Governo está a preparar.DC – Bolonha continua a suscitar preocupações?RP – Claro que continua. O trabalho de secretária está feito. A partir de gora é que os alunos vão começar a compreender o que é Bolonha. E esperemos que os professores também. Porque, apesar de se centrar o ensino no aluno, Bolonha não é terem os professores menos trabalho e os alunos mais. É bom responsabilizar mais o aluno, mas, para isso, tem de haver melhor qualidade no ensino. E aqui é que poderá não haver as mesmas condições para todos. Os politécnicos, que têm menor orçamento, têm menos condições para proporcionar essa qualidade de ensino.DC – A alteração nos métodos de ensino proposta por Bolonha criará mais dificuldades aos alunos ou aos professores?RP – Penso que os professores terão uma grande aprendizagem a fazer. As aulas vão deixar de ser com os professores a despejar matéria da sebenta. Terão de passar por um contacto mais directo, por um sistema de tutotria e um maior nível de conhecimento científico. Se calhar, muitos professores terão de perder mais tempo para reformular os seus conteúdos. DC – O relatório encomendado pelo Governo à OCDE aponta para a reorganização da rede e da oferta educativa. Vê como bons olhos a fusão de politécnicos com universidades?RP – Há politécnicos que o vêem. No Algarve aconteceu há bastante tempo. Em Lisboa, provavelmente, dentro de dois ou três anos, irá acontecer. E o mesmo no interior. Se calhar, com a Universidade da Beira Interior e com algum politécnico, ou de Castelo Branco ou da Guarda. A nível do politécnico, vive-se muito de escolas mais pequenas, situadas no interior. E serão essas que, provavelmente, o Governo irá tentar extinguir ou fundir muito mais facilmente. DC – Porque não têm alunos.RP – Sim. Mas creio que, nos anos 90, quando se deu aquela proliferação de escolas mais pequenas, o Governo deveria ter feito alguma coisa. Agora, neste momento, tem uma arma nas mãos para o fazer, se quiser, que é o facto de aceitar ou não novos cursos. Pode extingui-los.DC – No último concurso de acesso, os politécnicos melhoraram a taxa de ocupação de vagas.RP – Não foi por uma alteração da filosofia das pessoas. O politécnico sempre foi um filho bastardo do ensino superior. Deve-se a uma boa campanha de marketing por parte das instituições politécnicas. Que, com o próprio anúncio do fecho de cursos com menos de 20 alunos, tentaram sobreviver. E deve-se à atracção de outros públicos, por exemplo através do regime para maiores de 23 anos.DC – Os mestrados nos politécnicos vão mudar alguma coisa na procura do ensino superior em Portugal? As universidades vão perder alunos para os politécnicos?RP – Não irão perder alunos, porque o politécnico, neste momento, já tinha licenciaturas de cinco anos. E as pessoas tentarão continuar a fazer os cinco anos, só que em dois ciclos. Poderão é ganhar alunos do politécnico que queiram concluir a formação na universidade.DC – Que dizer dos futuros modelos de gestão das instituições?RP – Ao nível da gestão, os alunos são quem, neste momento, se preocupa mais. Na nova lei de autonomia, como está prevista, fala-se que os alunos perderão lugares nos cargos de gestão. O que não vêem com bons olhos. Eu sempre estive lá com o desejo de ajudar e de defender os interesses dos alunos. Nunca estivemos lá de má fé, nem tentámos burocratizar as coisas.DC – Os boicotes aquando da fixação do valor das propinas pelas instituições não terão contribuído para se querer tirar peso aos estudantes nos órgãos?RP – O Governo aí teve uma ideia de génio. Tirou de cima de si a responsabilidade de fixar as propinas e passou-a para as instituições. Com isso, os alunos deixaram de se voltar para o Ministério e passaram a estar zangados com as suas instituições. Depois, o Governo passou a cortar no financiamento das instituições, para que elas fossem obrigadas a usar os meios de receita próprios. No caso dos politécnicos, são basicamente as propinas, porque não vivem da investigação como as universidades. E as escolas tiveram de as aumentar, para colmatar o que o Estado não lhes dá. DC – Como interpreta as declarações do ministro Mariano Gago, de que até final da legislatura não haverá aumento de propinas?RP – O problema não é não haver aumento de propinas até final da legislatura. É qual é que será o aumento das propinas a seguir à legislatura. Segundo o relatório da OCDE, e algumas perspectivas verificadas com o relatório da ENQA, as propinas poderão ser multiplicadas bastantes vezes. Fala-se na ordem dos 2.500 a 3.000 euros, que é o nível de alguns países da União Europeia. E muitos alunos não terão condições para o suportar.DC – É aí que entra a ideia dos empréstimos?RP – Nos últimos encontros nacionais de dirigentes associativos, tem-se falado bastante na acção social. O Governo fala que cada vez dá mais dinheiro para a acção social, mas não é isso que se verifica. E depois fala em sistemas de empréstimos, que terão de ser acautelados e muito bem regulamentados.DC – Poderá ser o princípio do fim da acção social?RP – Poderá ser o princípio do fim. E penso que os estudantes terão de ter uma palavra a dizer. E não permitir um sistema de empréstimos que poderá, mais cedo ou mais tarde, vir a substituir uma acção social que deve ser claramente suportada pelo Estado. O ensino superior tem de ser tendencialmente gratuito e de acesso livre para todas as pessoas. Como forma de complemento, não só para quem já tem acesso à acção social, mas, por exemplo, para um estudante que queira ser emancipado e viver fora da casa dos pais, até concordo com a filosofia do empréstimo. Mas o Estado terá de ser o avalista. Quais serão as garantias para o pagar? Tudo isso terá de ser bem regulamentado, mas nunca restringindo a acção social.

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