sexta-feira, junho 15, 2007

Professores angustiados pela incerteza


Sara R. Oliveira 2007-06-15

Docentes incapacitados para dar aulas obrigados a concorrerem a serviços públicos, com excepção de escolas. FENPROF fala em "profundo desrespeito" por parte da tutela.
A chamada reconversão profissional dos docentes incapacitados para dar aulas, exposta no Decreto-Lei n.º 224, de Novembro de 2006, está a gerar um clima de incerteza nos professores que se encontram nessa situação. As escolas também não passam imunes a este cenário e a Federação Nacional de Professores (FENPROF) já abordou o assunto com o Ministério da Educação. "Estes colegas estão a ser tratados com um profundo desrespeito. Estão numa situação de grande incerteza e têm de concorrer a serviços sem que haja uma lista de ofertas", afirma Mário Nogueira, dirigente da FENPROF. Além disso, o responsável considera que há "uma posição completamente cega às situações concretas dos professores". "Esta incerteza, que se arrasta há tanto tempo, vai criar uma vontade de se irem embora, quando alguns professores estão ainda a meio do seu percurso profissional.""Estes docentes não podem dar aulas devido a problemas graves - desde não poderem estar de pé, a problemas vocais ou a estarem sujeitos a longos tratamentos -, mas são responsáveis pela informatização das escolas, acompanham os estudos dos alunos, estão nas bibliotecas", realça. "São professores que fazem falta às escolas que não têm outros professores para fazerem este trabalho". Mário Nogueira aponta um caminho: "A solução passa por esses professores se manterem nas escolas em trabalhos que não exigem qualquer reconversão porque é o que já fazem."O Decreto-Lei n.º 224/2006 estipula que os docentes incapacitados para darem aulas têm um prazo de 18 meses para a sua reconversão. Se a junta médica os considerar incapazes para a docência, ou pedem a reforma antecipada ou licença sem vencimento. Segundo a legislação, "o docente declarado incapaz para o exercício de funções docentes é convidado a manifestar preferências para o desempenho de funções não docentes, por carreira ou categoria, serviço ou organismo público e respectiva localização geográfica, através de formulário próprio, pelo prazo de 15 dias úteis a contar da sua notificação pela escola".Incapacitada para dar aulas, mas com capacidade para a actividade pedagógica. No início do ano, Lurdes Pacheco foi a uma junta médica que confirmou a sua incapacidade para dar aulas. As novas regras chegaram da Direcção Regional de Educação do Norte. "Mandaram-nos concorrer a todos os serviços públicos que quiséssemos, com excepção de escolas." A docente candidatou-se aos 18 lugares disponíveis para juntas de freguesias, museus e bibliotecas. Em meados deste mês, terá resposta às candidaturas apresentadas. Caso haja um serviço que a recrute, essa instituição terá de assegurar o mesmo ordenado que recebe como docente. Se não, tem de inscrever-se na bolsa de empregos públicos da Internet. "Ao fim de 90 dias, se nenhum serviço público nos quiser, temos 20 dias para pedir a aposentação antecipada ou ficar com licença sem vencimento." "Nunca pensei que isto pudesse acontecer. Até pensei que era inconstitucional. Sinto que não consigo dar aulas, mas acho que estou a fazer um trabalho válido", desabafa.Lurdes Pacheco completa 37 anos de docência a 30 de Setembro deste ano. Com o diagnóstico de um problema cardíaco, que faz com que se canse com muita facilidade e não consiga falar alto para uma turma, chegou a incapacidade para dar aulas. Há dois anos lectivos que a professora de Português e História acompanha os alunos com problemas de aprendizagem na sala de estudo da EB 2,3 de Leça da Palmeira. Acompanha ainda os alunos que estão em risco de abandono escolar, bate à porta das famílias, faz a ligação com a própria escola, é tutora de dois alunos, apoia visitas de estudo, trabalha competências sociais de estudantes. Um trabalho feito em articulação estreita com a psicóloga do estabelecimento de ensino. "Tento motivá-los a conhecer outros mundos." Emília Moreira, professora de Português e Francês, passou pelo mesmo percurso da colega com quem partilha a sala de estudo da EB 2,3 de Leça da Palmeira. Concorreu a vários serviços públicos e aguarda resposta. Um problema oncológico, detectado em Janeiro de 1990, revirou-lhe a vida. Ainda voltou a dar aulas, com redução de horário, mas a doença não a deixou sossegada. Sentia-se debilitada, a memória foi perdendo capacidades. Não teve alternativa: foi dada como incapaz para dar aulas. Desde 2001, acompanha os alunos na sala de estudo e os estudantes estrangeiros que chegam ao estabelecimento de ensino.As novas regras desorientaram-na. "Sinto-me muito mal, ando completamente desnorteada, nervosa. Não sei o que me vai acontecer", confessa. "Concorri ao Hospital de Matosinhos, para fazer o quê? Qual o organismo que me quer nestas condições?", questiona. "Mandam-nos concorrer, mas nem sequer nos dizem onde há lugares." O desalento é evidente. "Não trabalho como as colegas que têm turmas, mas estou 35 horas na escola e realizo as tarefas que me são designadas. Não estou sem fazer nada", afirma

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