domingo, julho 08, 2007

Certificação, a prova de fogo!


Inês CardosoO quadro está em branco e não há manuais de apoio. Os professores sentem na pele o conceito de aprendizagem ao longo da vida e não admira que o processo de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC) para o nível Secundário esteja a enfrentar algumas dificuldades. O verdadeiro teste começa agora - interligação entre entidades, circulação de informação sobre ofertas educativas e apreensão de conceitos com um "jargão" muito próprio são os principais desafios.Longe de ser um objectivo único da iniciativa Novas Oportunidades, que traça metas de qualificação e investimento na vertente profissionalizante do ensino, o processo de RVCC para níveis superiores é a sua face mais visível e inovadora. A estatística do total de inscritos em Centros Novas Oportunidades (CNO) no nível Secundário (mais de 75 mil, a que se juntam 175 mil no Básico) é, contudo, enganadora só uma pequena percentagem, de que não há apuramento nacional, está efectivamente com o processo iniciado. "Queremos fazer este caminho com cuidado, por isso de início com um número reduzido de adultos", justifica Luís Cordeiro, coordenador do CNO do Centro de Formação Profissional do Seixal, um dos seleccionados para integrar o primeiro "lote" de centros a arrancar com a RVCC para o Secundário. Os números deste centro ilustram uma realidade que se repete pelo país regista mais de mil inscrições para o Secundário ("Sentimo-nos quase soterrados", brinca Luís Cordeiro), só 56 estão efectivamente a iniciar o processo. Entre os dois números não é o vazio. Tudo começa com entrevistas para detectar expectativas e perceber se a RVCC é a resposta adequada para o adulto ou se deve ser encaminhado para formação. Seguem-se sessões de esclarecimento.De tudo um poucoAos centros chegam pessoas de todas as idades e qualificações, com ligeira prevalência de mulheres. E também há quem vá "um pouco enganado", admite Rosa Morais, coordenadora do CNO Ancorensis, instituição de ensino cooperativo de Vila Praia de Âncora. "Há pessoas que acham que lhes damos as coisas e é tudo fácil. As primeiras sessões são para as consciencializar do trabalho a fazer".Nesta fase ainda experimental, Rosa Morais considera essencial o apoio da Agência Nacional para a Qualificação (ANQ) - em fase de instalação e cuja lei orgânica estará para sair "dentro de dias", segundo o Governo. "De início não sentimos muito apoio, mas as coisas estão a melhorar", afirma. A ANQ deu já formação a uma centena de técnicos, mas não chega. Estão previstas novas sessões em Setembro e Dezembro.Rosa Morais confessa-se "muito crítica" das falhas, mas justifica porquê. "É um projecto em que acredito plenamente e acho que merece todo o rigor". Razão para querer ver afinados desacertos na circulação de informação sobre as ofertas educativas, que dificultam o encaminhamento de adultos. Promover interfaces entre organismos de diferentes naturezas é o maior desafio do Novas Oportunidades, na opinião de André Machado, delegado nacional da Associação para o Desenvolvimento das Metodologias de Avaliação em Educação na Europa (ADMEE). Defende ainda que tem de haver, da parte dos centros, grande ligação às comunidades locais, o que "nem sempre está a acontecer".Justiça socialComo tem desempenhado o papel de júri em RVCC no Vale do Ave, tem simultaneamente a visão "micro" e "macro" do sistema. Considera "sem preço" o contributo que o processo tem dado para a valorização de adultos com baixa auto-estima, mas alerta que a validação de competências não pode ser confundida com formação."Mais do que resolver o problema da qualificação dos portugueses, o que, de facto, se está a fazer é dar uma escolarização massiva a milhões de adultos que a escola perdeu", alerta André Machado. O RVCC pode ter, contudo, um "efeito mola" importante, ajudando as pessoas a traçar "o seu próprio projecto de formação profissional". O processo apela muito à autonomia do adulto e tem um "jargão" próprio que André Machado sente não ter sido totalmente apreendido pela opinião pública e até pela comunidade educativa. Tânia Santos, profissional de RVCC no Seixal, concorda que o desafio não é fácil e obriga os técnicos a estarem "muito atentos", ajudando as pessoas a "escavar" experiências. No RVCC não há alunos, nem professores ou exames. Há uma "justiça social" de reconhecer o que o adulto já adquiriu.Rompendo com "modelos estereotipados e a rigidez da escola", acrescenta Luís Cordeiro. Significa isso que os professores e escolas estão menos preparados para "escapar" às suas próprias metodologias? Manuela Santos, coordenadora do CNO da Escola de Vendas Novas, confessa estar "um pouco cansada" de ouvir essa crítica quando vai a reuniões."Os professores estão habituados a reformas e mudanças de metodologias", sustenta. Num concelho de pequena dimensão e corpo docente estável, considera uma vantagem o capital de confiança que a escola já conquistou.

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