quinta-feira, julho 12, 2007

Professora com cancro regressa à escola após recusa de reforma



É mais um caso de uma professora que sofre de cancro e que a Caixa Geral de Aposentações (CGD) quer ver de volta à escola. O carcinoma tomou-lhe a nasofaringe e os tratamentos de quimioterapia e radioterapia a que foi submetida deixaram-lhe sequelas graves - confirmadas por especialistas em oncologia -, que a impedem de leccionar. Já fez dois pedidos de aposentação e ambos foram recusados. Na última junta médica a que foi sujeita, sugeriram-lhe - de forma quase insultuosa - que lavasse os ouvidos, arranjasse os dentes e fosse trabalhar. Certo, para já, é que em Fevereiro a professora deverá, obrigatoriamente, regressar à sala de aula.Aceitou falar do seu caso ao JN sob anonimato. E compreende-se tem receio - com base em casos recentes - de vir a sofrer ainda mais do que já sofre com a doença que a atingiu. Ela e o marido, igualmente funcionário público. Permite apenas que se diga que é professora do 1.º Ciclo, em Cabeceiras de Basto.Em Maio de 1998, foi-lhe diagnosticado um carcinoma na nasofaringe. Nos dois primeiros anos, esteve dispensada da actividade lectiva. Os tratamentos a que foi submetida tiveram consequências graves. Hoje, para falar, é obrigada a beber constantemente, tem dificuldades de audição e ficou com alterações permanentes na dentição. Poucos dentes lhe restam e a depauperação da estrutura óssea não lhe permite colocar implantes.Pedidos sucessivosEm Setembro de 2004, fez o primeiro pedido de aposentação ao abrigo do Decreto-Lei 173/2001. Trata-se de uma legislação que confere condições especiais de aposentação às pessoas que sofram de doença do foro oncológico, esclerose múltipla e paramiloidose familiar que, "pela sua gravidade e evolução, originam, com acentuada rapidez, situações invalidantes".Sujeita a junta médica, e apesar dos relatórios do Instituto Português de Oncologia do Porto, a CGA indeferiu o pedido.A professora teve de recorrer a atestado médico, já que não estava em condições de saúde para regressar à escola. As faltas são justificadas ao abrigo do Decreto-Lei 179/89, que durante o máximo de 36 meses lhe permite faltar, devido a doença incapacitante."Para confirmar estas faltas, eu ia com frequência às juntas médicas da Direcção Regional de Educação do Norte e os médicos não compreendiam como era possível, com a minha doença e nas minhas condições, que a CGA não me desse a aposentação", referiu.Em Setembro de 2005, voltou a fazer o pedido de aposentação por incapacidade, mas sem recorrer à legislação especial anteriormente referida. "Como a lei bonifica o tempo de serviço, acrescendo-o em mais 50%, julguei que se pedisse a aposentação pelo regime normal obtivesse-a mais facilmente. O que eu não podia era regressar à escola, não tenho condições de voltar a dar aulas", salientou.Contudo, nem assim viu o seu pedido deferido. Aconselhada por um advogado, a professora fez o pedido de junta médica de revisão, tendo, para tanto, juntado relatórios clínicos de oncologia que atestavam a gravidade da doença e das sequelas. Em resposta, a CGA admitiu uma nova junta médica, mas sem a sua presença. Ao mesmo tempo, foi-lhe designado um otorrinolaringologista para um exame médico. "Fui à consulta e o médico mal olhou para mim. No final, disse que eu fizesse uma limpeza aos ouvidos e arranjasse os dentes que ficaria muito bem!", revelou. Como consequência,a CGA voltou a indeferir-lhe o pedido de aposentação."Os 36 meses de faltas que posso dar estão a chegar ao fim e em Fevereiro tenho de regressar à escola", explicou. A professora não sabe como vai dar aulas, ainda por cima a crianças de tenra idade. "Se voltar à sala de aula, tenho a certeza de que os alunos e os pais vão ser os primeiros a fazer barulho para me ver fora dali, porque não estou em condições de saúde para voltar a ensinar. E qualquer pessoa que olhar para mim apercebe-se facilmente disso, bem antes de saber do mal de que padeço", referiu.Como última tentativa, a professora voltou, na passada segunda-feira, a apresentar mais um pedido de aposentação. Segundo disse ao JN, gostava de ter melhor sorte do que tiveram os dois professores que, recentemente, morreram com doença idêntica.Recorde-se que, em Junho, uma professora de Aveiro morreu com uma leucemia e, em Janeiro, um professor de Braga morreu com um cancro. Ambos tinham pedido a aposentação, que foi recusada pela CGA. SIC acrescenta novo casoDepois de num mês serem conhecidos dois casos de professores doentes que morreram no activo por recusa da reforma antecipada, começam a surgir situações idênticas de docentes que são obrigados a trabalhar com a saúde debilitada. Além do caso que o JN conta nesta página, a SIC noticiou, ontem à noite, que uma professora de 60 anos da Escola Francisco Torrinha, no Porto, vítima de cancro da mama, já viu por duas vezes ser-lhe negado o pedido de reforma antecipada. Os três relatórios médicos a atestar que nunca mais pode trabalhar foram ignorados pela junta médica da Caixa Geral de Aposentações. Depois de tratamentos de radio e quimioterapia, a docente, que contou o caso sem se identificar, pediu, em 2006, a reforma, mas a junta médica, composta por especialistas em reumatologia, considerou que não se justificava a atribuição de incapacidade permanente. A professora está de baixa até Abril de 2008, mas caso não consiga a reforma antecipada terá de voltar a leccionar.

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