sábado, janeiro 17, 2009

Escolas sem lugares marcados


Sara R. Oliveira 2009-01-09
Escolas de área aberta não resistiram à inadaptação dos professores e às alterações do modelo de ensino. Artigo aborda o assunto e salienta que a Escola da Ponte é dos poucos exemplos que se mantêm de pé.
Numa escola de área aberta praticamente não há divisões entre salas, os espaços são amplos e acolhem alunos de diferentes níveis de ensino e vários professores. E não há lugares marcados. Nem para estudantes, nem para professores. O conceito de planta aberta tornou-se bastante popular nos anos 60 e 70 do século passado. O modelo foi aplicado um pouco por todo o lado, mas o design que sacrifica paredes acabou por ter os dias contados no nosso país. "Escolas de área aberta em Portugal: falhanço ou inovação?" é o título de um artigo que aborda a questão e recorda que a Escola da Ponte, em Vila das Aves, optou por preservar as inovadoras linhas da arquitectura. O trabalho é da autoria de José Freire da Silva, arquitecto do Ministério da Educação, e do professor Miguel Martinho, e foi publicado na edição online do Programme on Education Building (PEB) Exchange da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Há dois aspectos fundamentais que ajudam a explicar o aparecimento das escolas de planta aberta. As preocupações económicas, de economizar dinheiro nas construções, e a influência de novas ideias e metodologias na área da educação que reclamavam espaços mais amplos, uma outra configuração que permitisse desenvolver vertentes inovadoras. Desta forma, um design mais usado no mundo dos negócios acabou por tornar-se popular nas escolas dos anos 60 e 70, sobretudo na América do Norte, Inglaterra e Escandinávia antes da ideia ser exportada para outros países. No fundo, pretendia-se pôr um ponto final às típicas "caixas" das salas de aula para que espaços mais flexíveis e polivalentes pudessem aparecer. Menos divisões entre salas, menos portas e paredes do que uma escola tradicional, mas desenhada para o mesmo número de alunos. "Nos anos 70, foram construídas algumas escolas de área aberta, mas a pouco e pouco foram sendo transformadas no modelo clássico", refere Freire da Silva ao EDUCARE.PT. No artigo publicado, lembra-se a resistência criada no próprio seio da comunidade escolar a essa inovação da arquitectura que chegava aos espaços escolares. Uma escola diferente para um modelo pedagógico diferente. O modelo acabaria por não vingar devido à cultura de individualismo cultivada pelos professores que defendiam um docente por sala, aos ruídos provocados por mais gente na mesma área. Além disso, vários estudos demonstravam que os professores não estavam preparados para uma abordagem que se pretendia inovadora. "A escola de área aberta tinha sido projectada partindo do pressuposto de não haver espaços individuais para a turma", adianta Freire da Silva. O que permitia "elaborar um programa distinto, juntar o programa educativo com as preferências dos alunos". "E poupava-se muita área de construção: menos construção para o mesmo número de alunos", acrescenta. Mas o contexto alterou-se. "À medida que a população crescia, havia menos espaço para os alunos". E assim o modelo tradicional conquistou o terreno que antes lhe pertencia, até pelas alterações do modelo de ensino que actualmente se baseia numa escola básica com nove anos de escolaridade. "Várias situações no ensino alteraram-se e o edifício não acompanhou essa evolução". O artigo recorda uma escola em Mem Martins, inaugurada em 1966, escola-piloto de um projecto de colaboração sob a orientação do arquitecto inglês Guy Oddie, que não sendo de planta aberta, demonstrava aproximações a esse conceito e com inovações para a altura, como uma maior área dedicada às aulas. O edifício não resistiu às mudanças. E as escolas de área aberta foram sendo contestadas por professores e pais que consideravam o modelo inapropriado. Freire da Silva lembra que esse conceito de área aberta nas escolas foi colocado em prática pelo ministro da Educação Veiga Simão, no governo de Salazar. Com o 25 de Abril, a situação mudou e os professores andavam de escola em escola, o que dificultava a adaptação a um modelo pedagógico diferente. "Os professores têm tendência a fecharem-se no seu próprio espaço e numa sala controlam muito mais os alunos". O exemplo da Escola da Ponte sobreviveu. "Curiosamente, uma das principais razões para o sucesso dessa escola, na opinião da sua equipa de professores, é precisamente o design de espaço aberto", realça-se no artigo. "Felizmente, nem todos os professores portugueses rejeitaram o design de área aberta", acrescenta-se. "É a única que se manteve porque a equipa defende esse modelo", sustenta Freire da Silva. Sem tantas paredes que os arquitectos idealizam para uma escola tradicional. "Defende-se que esse tipo de espaço não dificulta o modelo pedagógico, antes pelo contrário". Na Escola da Ponte, os alunos movimentam-se à vontade no seu trabalho diário e não têm lugares marcados.

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