segunda-feira, novembro 20, 2006


Carta aberta ao Dr. António Almeida Santos
(Ex-Presidente da A.R.)


Pedindo desculpa pela insistência, estou, de novo, a escrever-lhe mais uma carta, depois de ler o 2.º volume das suas “Quase Memórias”, no referente à descolonização de Timor, por indicação de alguns amigos.
Recebi a sua missiva em 9-11-2006, onde refere ter tomado conhecimento de uma minha “carta aberta”, que coloquei no site do PortugalClub (Internet), um mês depois de a ter remetido através do sede do PS/Largo do Rato, e onde referia que “reservava o direito, desde já, de vir a divulgar esta carta nos órgãos de Comunicação Social”. Tal não aconteceu, apesar de ter tentado num diário e dois semanários, pelo que concluo estar a liberdade de Imprensa em Portugal “muito em baixo” … O seu texto é verdadeiramente surpreendente, tal como os elogios ao meu livro “Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975”.

Desta vez estou muito indignado com os erros cometidos, face às suas deduções em relação ao livro “Timor; Abandono e Tragédia” (Editora Prefácio - 2000), publicado em co-autoria com o Coronel Morais da Silva. Curiosamente, enquanto autores, ele é promovido a general e eu despromovido a tenente-coronel…, quando bastava verificar as breves notas biográficas constantes da contracapa.
Enquanto que, em relação ao 1.º volume, as incorrecções diziam respeito a outras pessoas, desta vez têm a ver com as suas invenções em relação à minha pessoa e que passo a referir.

1. Na pág. 348, depois de apresentar uma versão de Lemos Pires sobre a actuação de Maggiolo Gouveia, afirma:
(…) Mas esta versão não é única. O tenente-coronel Manuel A. Bernardo, no livro Timor; Abandono e Tragédia, que publicou recentemente, em co-autoria com o general Morais da Silva, diz que Maggiolo Gouveia, na noite de 10 para 11 de Agosto, “foi feito prisioneiro; e os seus guardas, sob a chantagem de matarem o seu comandante, detido como refém, foram obrigados a aderir”. Maggiolo, adita ainda, escreve uma carta ao governador, logo a seguir uma segunda, pedindo que não negociasse a sua libertação e que não se preocupasse com ele. Mesmo assim, o governador o mandou o major Barrento (seu cunhado e CEME muitos anos depois, acrescento eu) ao acampamento da UDT para prosseguir as negociações. Durante esse tempo, Maggiolo Gouveia esteve realmente preso” (pág. 142).
Bernardo, à época, estava em Timor. (mentira!, acrescento eu)
O próprio Lemos Pires confirma esta parte do relato de Bernardo, ao escrever (ob. cit. pág. 216) que “Maggiolo Gouveia terá afirmado ao major Barrento que não fizesse nada pela sua libertação, porque junto da UDT os poderia moderar” (…)
E a seguir, o autor Almeida Santos, refere que também João Carrascalão, líder da UDT, em declarações à imprensa, em 3-8-1976, veio confirmar esta versão…
O autor Almeida Santos (ex-Ministro da Coordenação Interterritorial), que tinha a obrigação de conhecer o comandante militar de Timor, Tenente-Coronel José Magalhães (n.º 2 na hierarquia do poder no território), confundiu este oficial comigo, dando como certa a minha presença em Timor, onde nunca fui até à presente data, e considera as suas declarações, no meu texto “Descolonização de Timor; 1974-1975”, incluídas no livro “Timor; Abandono e Tragédia”, como sendo minhas! (vide pp. 141 a 145). Daí o atribuir-me o posto de tenente-coronel, quando á altura dos factos eu era major e me encontrava em Lisboa …

2. Na sequência do mesmo equívoco, as afirmações mais graves seriam feitas mais à frente (pp. 350 e 351):
(…) “Maggiolo Gouveia”, conclui Lemos Pires, “foi uma das vítimas do processo de descolonização de Timor. … Acabou por ser mártir às mãos vingativas dos seus carrascos” (Lemos Pires, ob. cit., págs. 216, 217 e 218).
Amaro Bernardo, testemunha presencial do seu comportamento (mentira!, acrescento eu, pois quem lá estava e fez estas afirmações foi José Magalhães, em 1976), escreve a propósito, a pág. 142 do seu citado livro: “De 14 a 20 circulou por Díli, desarmado, falou comigo várias vezes, ia à porta dos quartéis tentar aderentes para a UDT, e o seu estado de alteração profunda era evidente, chegando os testemunhos a considerá-lo com indícios de loucura. Nós falávamos com ele e nem nos ouvia. Vociferava e desaparecia de repente, sem possibilidade de diálogo.
Nem sequer se tentou detê-lo, para não complicar a situação, pois o governador tentava, a todo o custo, travar as ameaças de uma guerra civil”.
No mesmo sentido, o tenente-coronel Jaime Magalhães (novo erro, acrescento eu, pois o comandante militar é José e não Jaime e foi entrevistado por mim (2000), em Miraflores/Algés, onde reside) confirma que ele “andava transtornado e que, uma vez, esteve à porta do Quartel-General agarrado à cancela da entrada a discursar para o pessoal do interior. Eu cheguei lá e o oficial de dia, um aspirante, disse-me: “Por favor, tire-me daqui o Maggiolo, pois eles matam-no”. Fez cenas idênticas junto da nova Polícia Militar e de outras unidades de Díli” (ibidem, pág. 143).

Todas estas declarações do Tenente-Coronel José Magalhães estavam inseridas no capítulo VI. O Comandante Militar e a actuação de Maggiolo Gouveia (no livro “Timor Abandono e Tragédia”) e na p. 141, em nota pé de página, eu indicava ser A Capital de 6-7-1976, a fonte das afirmações deste comandante militar. Se tivesse dúvidas sobre a identidade do militar a ocupar este cargo, poderia verificar nesse jornal ou mais à frente nas pp. 154, 155, 156 e 158, onde o seu nome é por várias vezes referido nas legendas das fotografias (reuniões em Dilí, Ataúro e Banguecoque) e referido como desempenhando essas funções.

Não pretendendo fazer qualquer análise sobre o extenso texto do autor Almeida Santos, nem sobre as suas apreciações em relação ao comportamento do meu co-autor do livro em causa, Coronel Morais de Silva (ex-general graduado e ex-CEMFA) gostaria apenas de salientar o papel muito importante da actuação da Igreja Católica, quer na resistência ao invasor indonésio, quer na denúncia das torturas e fuzilamentos, pela FRETILIN, de timorenses presos, em 1975/1976. Foi numa das várias valas comuns, na área de Aileu, em Timor, que os restos mortais de Maggiolo Gouveia foram localizados pelo seu filho, Dr. Rui Maggiolo, com o apoio, entre outros, de elementos da Igreja timorense.
Segundo Mari Alcatiri (então n.º 2 da FRETILIN), em declarações a um jornal australiano, em Maio de 2000, foram 150 os prisioneiros fuzilados pelos militares da FRETILIN, encontrando-se entre eles, além de Maggiolo Gouveia (morto nas vésperas do Natal de 1975), José Osório Soares, Presidente da APODETI e César Mouzinho, ex-Presidente da Câmara Municipal de Dilí. (Ob. cit. p. 94). Outras fontes (indonésias) referem terem sido mais de um milhar as vítimas dos massacres realizados em Aileu, Maubisse e Same, entre 9-12-1975 e 20-1-1976. (Paradela de Abreu. Timor; a Verdade Histórica. Lisboa, Ed. Nova Dinastia, 1997)
Posso ainda acrescentar que todo este processo nasceu com uma investigação feita por mim desde o início de 2000, a solicitação do Coronel Morais da Silva. Depois, em Junho desse ano, face aos rumores de que o CEME, General Martins Barrento (major em Díli em 1975) não queria que o nome de Maggiolo Gouveia fosse inscrito no memorial do Monumento aos Combatentes do Ultramar (depois confirmados), pus a circular um abaixo assinado no dia 10 de Junho, no Restelo, que seria remetido à Liga dos Combatentes (Bernardo, ob. cit., pp. 256 e 257).
Depois de publicado o livro em causa com a participação de D. Maria Natália Gouveia, e de ter sido conseguida a referida inscrição, por decisão, depois de votação “suada”, daquela Liga, o camarada e amigo Coronel José Pais, (falecido em Fevereiro passado), com o acordo da família, lançou a ideia na imprensa de trazer para Portugal os restos mortais do malogrado oficial. Foi constituída uma comissão de apoio à família para conseguir este objectivo, com quatro coronéis: Morais da Silva, José Pais, Manuel Bernardo e Nuno Roque.
Conseguimos “aliciar” para estas diligências o Padre Vítor Milícias, amigo e compadre de um dos elementos da comissão, que de facto deu todo o apoio possível na sua qualidade de Alto Comissário para Timor-Leste.

À semelhança do solicitado na carta anterior, venho exigir que a verdade dos factos referidos em 1. e 2. seja reposta, em futuras edições do livro “Quase Memórias”. Para satisfação dos meus leitores - dada a consideração que eles me merecem -, esta carta será de imediato publicada (onde for possível) num dos OCS deste cinzento mundo dos media, existente em Portugal. Em caso contrário seguirá o mesmo destino da primeira: a divulgação num site da Internet…

Manuel Amaro Bernardo
Coronel Inf.ª Reformado

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