segunda-feira, novembro 20, 2006

O corte nauseabundo
1. Reclamaram o saber, há mais de 200 anos, Luís António Verney e Ribeiro Sanches. Insurgiu-se António Sérgio contra o descalabro do ensino, em plena ditadura salazarista. Sacrifícios vãos? Tais sacrifícios nunca são em vão - fica a semente. Se o desastre continua e encobre a febre do lucro letal, certas conquistas parecem irreversíveis, por exemplo, a de liberdade de expressão, a de associação sindical, a de greve. Em suma a possibilidade de se oporem os cidadãos aos desvarios dos governantes. E aquilo que se passa no domínio da Educação e da Investigação - fontes principais da Cultura, por sua vez alicerce das sociedades justas e criadoras de bens e de bem estar -, aquilo que vemos acontecer todos os dias é um desvario trágico e funesto. O governo, a sufocar o progresso igualitário, tira da cartola canibalesca coelhos envenenados e, fingindo que reforma, cozinha-os nas universidades e nas escolas.
2. O presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas denuncia "As universidades nunca foram tão prejudicadas" e conclui que não chega o dinheiro para pagar o pessoal de metade das universidades e um terço dos politécnicos. Como há-de chegar para o resto - investigação, actualização, material? Mas eis que a já desgraçadamente famosa ministra da Educação nos comunica - toda ela alegria - que nada sofre o ME com o corte de 342,1 milhões de euros na dotação orçamental. Graças ao corte, o seu sonho concretiza-se: livra-se de milhares de professores. Fecha as portas a cinco mil contratados, reduz destacamentos e afasta da docência os professores com horário zero. Depois (cultiva a contradição e o disse-não-disse), afirma que "globalmente não há professores a mais"... Tudo isto é triste, inquieta e causa náuseas.
3. A educação custa dinheiro ao Estado. Mas economizar no Ensino nada tem de socialista a não ser que se trate da via socialista para a ignorância. Equilibrar, assim, o deficit? Qual? O verdadeiro défice é o cultural e deste é que resulta a crescente pobreza portuguesa. Incentiva- -se o analfabetismo? A Cultura não é distracção gratuita ou folclore, popularucho e anestesiador - o pimba. Não é divertimento inútil. A partir dela se constroem os países, firmemente ancorados no Ensino e na Investigação. Desprestigiar docentes, acusá-los de incompetência e preguiça, sonegar-lhes direitos adquiridos pode ser frutuosa demagogia e oportuno truque eleitoralista. Não serve, porém, o país nem os que querem ensinar nem os que querem aprender a construir uma vida melhor

Sem comentários: