sábado, junho 09, 2007

Medo de ir à escola


Humilhações e ofensas fazem parte do dia-a-dia das vítimas de bullying. Cerca de metade dos alunos já estiveram envolvidos neste fenómeno. A maioria não se queixa por vergonha.
João Miguel, aluno da escola EB 2,3 de Rio Tinto, foi vítima de perseguição psicológica e de ameaças físicas por parte dos colegas durante ano e meio. O jovem aluno é uma das mais recentes vítimas de bullying nas escolas portuguesas. Apupos, insultos, encontrões e outras humilhações são ameaças constantes que acabam por intimidar alunos como João Miguel. Por vergonha, optam por manter o silêncio. Sónia Seixas, doutorada em Psicologia e autora de uma tese sobre o fenómeno do bullying, estima que, em média, cerca de metade dos alunos portugueses se encontram, de algum modo, envolvidos neste tipo de comportamentos. Tanto podem ser agressores como vítimas, e também podem ser vítimas agressivas, que assumem a dupla dimensão de agressores e de vítimas."O bullying é uma conduta agressiva intencional, normalmente entre colegas, com um carácter repetitivo e sistemático que causa sofrimento na vítima e que tem como grande característica a desigualdade de poder entre os envolvidos", explica Sónia Seixas. E é esta desigualdade de poder entre os alunos - o tamanho e força do aluno, a idade, o estatuto social, o ter ou não ter apoio por parte de outros colegas, ou o estar inserido num grupo ou ter um número mais significativo de amigos - que distingue o bullying de outros tipos de violência e que o torna num fenómeno escondido. Segundo Sónia Seixas, na maioria dos casos, a vítima de bullying não faz queixa por vergonha. Até que ponto é que as incidências que conhecemos, seja em Portugal, seja noutros países, serão verdadeiras incidências? O fenómeno assume uma dimensão secreta, escondida, minimizada, tolerada ou ignorada por professores, pais e funcionários. "[Os casos] não são fáceis de identificar mas não costumam passar despercebidos entre colegas", sublinha esta especialista.Em termos de perfil, os agressores tendem a ser alunos mais autoconfiantes que utilizam a agressão como forma de domínio, reforçando assim a sua sensação de autoconfiança e de auto-estima. São alunos mais activos, com um bom autoconceito físico e socialmente enquadrados, sendo vistos pelos pares com uma espécie de ídolo ou de aluno que não se afronta porque se tem medo.Já as vítimas apresentam um baixo autoconceito, uma baixa auto-estima, uma baixa confiança em si e um maior sentimento de solidão e de isolamento social. Com um número reduzido de amigos e com tendência para serem socialmente rejeitados pelos pares são, de um modo geral, alunos mais tímidos, com uma maior dificuldade de estabelecer relações com os colegas e, consequentemente, também têm menores redes de suporte social que lhes permita ter, eventualmente, colegas que os defendam numa situação de envolvimento com alunos agressores.Curiosamente, como sublinha Sónia Seixas, verifica-se que o bullying tem consequências no desempenho escolar de ambos os alunos - vítima e agressor - que se reflectem em baixos resultados académicos. E não se pense que este tipo de agressão entre alunos faz parte do desenvolvimento normal dos mais novos. "Os conflitos são normais no desenvolvimento da criança, o que não é natural é resolvê-los de forma agressiva e com violência", salienta Sónia Seixas. Por isso mesmo, o Ministério da Educação, professores, funcionários e pais não podem fechar os olhos a este fenómeno - que "sempre existiu mas agora tem mais visibilidade" - e têm de cumprir o seu papel.O primeiro passo poderá ser apostar mais na prevenção de modo a evitar o envolvimento dos alunos neste tipo de comportamentos. Apostar na formação de professores, sensibilizar a comunidade educativa para o fenómeno do bullying, criar regras de conduta e uma cultura de intolerância zero nas escolas face a estes comportamentos, incentivar a supervisão por parte dos adultos e uma intervenção directa com os alunos, ensinando-os a gerir conflitos.Mas para quem já é vítima de bullying a prevenção já não vem a tempo. Nestes casos, deve-se dotar "a vítima com competências de assertividade para que se auto-afirmem de forma afirmativa, e não agressiva, não se deixando subjugar ao ataque", explica Sónia Seixas.E enquanto estas vítimas silenciosas não desenvolvem melhor as suas defesas, há pequenos truques que devem ser seguidos: evitar sítios isolados ou locais onde estejam os agressores habituais - normalmente os episódios ocorrem no recreio ou em zonas como os balneários e os corredores, que se encontram afastadas da supervisão dos adultos; evitar confrontos com potenciais agressores; utilizar estratégias de humor face à situação, quando são gozados ou troçados; evitar estar sozinhos e andar em grupo, procurando integrar-se nas brincadeiras.Os próprios colegas podem ter um papel essencial na resolução de situações de bullying. Relatando o acontecimento e deixando de ser "os chamados observadores passivos ou a maioria silenciosa", o grupo de pares deve estar sensibilizado para intervir no sentido de acabar com situações de bullying que estejam a ocorrer entre colegas e apoiarem as vítimas deste fenómeno.

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