quinta-feira, fevereiro 15, 2007

INDIFERENÇA PELA ESCOLA

CRIANÇAS Portugal na lista negra da Educação

Portugal ocupa o último lugar em matéria de bem-estar educativo. Este é um dos resultados de um relatório internacional apresentado ontem, pela Unicef, e dedicado à "Pobreza Infantil", ou seja, ao "bem-estar das crianças nos países ricos", os 21 que integram a OCDE. A boa notícia do relatório é outra Portugal ocupa o segundo lugar nas relações das crianças com a respectiva família; e ocupa um lugar aceitável no que respeita à visão que os jovens têm da sua própria vida.Em relação à educação, a directora executiva do Comité Português da Unicef, Madalena Marçal Grilo, sublinha que não é um dado novo "O último relatório conhecido já apontava para a debilidade educativa em Portugal. Já se sabia que o desempenho escolar é dos mais baixos, que o número de jovens dos 15 aos 19 anos fora do ensino é dos mais altos e que a qualificação profissional é também das mais baixas".Para esta responsável, a importância do documento, realizado pelo Centro de Pesquisa Innocenti da Unicef, é ser "uma primeira tentativa para traçar um quadro multidimensional", ou seja, apontar várias realidades da vida das crianças nestes países. "Contém matéria que vale a pena aprofundar e debater para melhorar os aspectos que permitem às crianças o gozo pleno dos seus direitos", afirma.Madalena Marçal Grilo acrescenta que o estudo só pretende "analisar seis diferentes dimensões (bem-estar material, saúde e segurança, educação, relacionamento com a família e os pares, comportamentos e riscos, e a noção subjectiva de bem-estar dos próprios jovens) com base em vários indicadores". Na parte mais subjectiva do inquérito, os jovens portugueses ficam a meio da tabela ocupam os últimos lugares quanto a bem-estar pessoal, mas ficam em quarto ao afirmarem gostar muito da escola. No que diz respeito a bem-estar material, Portugal ocupa o 16º lugar entre os 21 países analisados. O índice é medido pela percentagem de crianças que vivem em lares com rendimentos inferiores a 50% à média nacional, pela percentagem de crianças que dizem ter menos de dez livros em casa -Portugal ocupa o último lugar - ou que têm um adulto desempregado.Portugal só ocupa lugares medianos (14º) em dois aspectos, Saúde e Segurança, e na perspectiva dos próprios jovens.Em termos gerais, e na média das seis dimensões, ficam abaixo do nosso país a Áustria, Hungria, Estados Unidos e Reino Unido. Todos os países analisados apresentam debilidades. Marta Santo Pais, da Innocenti, afirma que "nenhuma das dimensões pode ser considerada isoladamente. Alguns países ocupam lugares muito díspares nas diferentes dimensões", o que acontece precisamente com Portugal. A especialista alerta ainda que não existe uma relação directa entre o PIB per capita e o bem- estar infantil. A República Checa destaca-se, ocupando uma posição superior a vários países europeus mais ricos.Há alunos que chegam ao 10.º ano em situação de semi-iliteracia, sem estarem em condições para compreender ou redigir um pequeno texto. Estes problemas são, na maioria dos casos, relacionados com o percurso educativo dos estudantes, uma vez que foram ficando para trás na aprendizagem, mas vão passando de ano. Esta situação leva muitas vezes à inadaptação perante o sistema, ao desinteresse e em último caso ao abandono da escola. Casos com que Teófilo Vaz, professor de História há 27 anos, actualmente docente na Escola Secundária Emídio Garcia, em Bragança, lida diariamente. "Não vislumbram nada de prático ou útil na escola", referiu. A indiferença pela escola e pelos benefícios da aprendizagem começa muitas vezes no seio familiar. "Pela observação empírica do quotidiano, observamos que quanto mais degradado é o ambiente familiar de origem dos alunos, maior propensão há para casos de desadaptação escolar", constata. Associados aos problemas de aprendizagem estão ainda os problemas de relacionamento com os colegas, os professores e a própria escola. "Em algumas turmas de mais baixo nível do ponto de vista da aprendizagem, há casos em que os estudantes não têm referências de dignidade, honestidade e até consideração com os outros", afirmou o docente. Glória Lopes"Os três rapazes ficam de um lado, as três raparigas de outro. Nós ficamos à parte e ainda há um outro quarto para a expansão familiar". Assim que termina a frase, Adelino, economista, casado há 17 anos e pai de seis filhos, solta uma gargalhada. Contagiante, de resto. "Repare, quem tem muitos filhos não tem stresse", afirma. Não tem e não pode ter, porque o tempo é contado, porque a disciplina tem que imperar, porque, traduzindo, "os filhos mais velhos tomam conta dos mais novos" e todos têm tarefas como "lavar a loiça, varrer a cozinha, arrumar livros e brinquedos". Quando a prole resolve discutir ao mesmo tempo, a casa entra em autogestão. "Em 80% das vezes não interfiro". Ri-se. O riso e a simplicidade de Adelino contrastam com a aparência formal, com o cargo que ocupa, com o fato de centenas de euros. "Quer a verdade ou a mentira? Ok, digo-lhe a verdade. Precisamos de três mil euros para sustentar esta família. Mais de metade vai para a educação, claro", afirma. A educação é ponto de honra e os pequenos "aproveitam todos os bocadinhos. As meninas fazem os deveres de casa na carrinha antes de irem para a ginástica". Além da ginástica, todos têm música "porque é fundamental". Como o orçamento não estica "a empregada só vai lá a casa duas vezes por semana". O resto é com Adelino e com a esposa, professora universitária. "Confesso que ela faz mais". A questão é o tempo e Adelino trabalha em média 12 horas diárias. "Estou com eles à noite, não menos de duas horas. Agora tenho que ir buscar as meninas à escola". Sobre o cansaço de uma vida cheia, é peremptório "Dilui-se na paixão. Estou a construir algo de que gosto". Um desconcerto. Leonor Paiva Watson


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