quarta-feira, novembro 07, 2007


Bragança capital da lusofonia por 4 dias


Dois académicos de renome vieram a Bragança de 3 a 6 de Outubro para o 6º Colóquio Internacional da Lusofonia. Após o sucesso das anteriores edições, a Câmara Municipal de Bragança, manteve a sua aposta cultural na realização deste importante evento anual. Uma das razões preponderantes para organizar um Colóquio Anual Internacional da Lusofonia assenta no facto de a maior parte destes acontecimentos estar centralizada nas grandes urbes sem permitir que as regiões mais desertificadas e afastadas dos centros de poder, tenham ao seu alcance debates sobre a Língua Portuguesa, suas diversidades e propostas inovadoras de ensino. Para o Colóquio deste ano que, pela primeira vez, teve a duração de 4 dias pretendeu-se chamar à ribalta a problemática do Acordo Ortográfico e a variante brasileira no século XXI. Cerca de cinquenta oradores responderam à chamada e o Colóquio da Lusofonia 2007 debateu o perigo de a variante brasileira se tornar numa língua própria e suas consequências, análise da situação, desenvolvimentos nos últimos anos, projectos e perspectivas presentes e futuras. Este ano, incluiu-se um segundo tema para celebrar o centenário do nascimento de Miguel Torga e estiveram também em debate (como é habitual todos os anos) os problemas da Tradução, instrumento para perpetuar a Língua Portuguesa e manter a sua criatividade nos quatro cantos do mundo. Dentro da subsídio-independência dos organizadores foi possível trazer a Bragança dois académicos de alto gabarito, irremediavelmente ligados aos Acordos Ortográficos e à evolução da Língua Portuguesa: os professores Malaca Casteleiro da Academia de Ciências de Lisboa e de Evanildo Bechara da Academia de Letras do Brasil.Tivemos ainda um vasto leque de actividades paralelas com dois recitais inéditos de música e uma peça de teatro, para além de exposições de fotografia, artesanato e de documentários televisivos.A agência noticiosa oficial de Portugal, a Lusa escreveu a propósito:Um dos mais conceituados linguistas portugueses, Malaca Casteleiro, acusou logo na sessão de abertura Portugal de travar o acordo ortográfico com os países lusófonos por um «medo estúpido» do domínio do Brasil. Aquele linguista, que tem participado das tentativas de acordo da unificação ortográfica nos países de língua oficial portuguesa, fala mesmo numa «briga» entre Portugal e Brasil que «se arrasta há mais de um século e que prejudica a difusão da língua portuguesa».«É maior do que a guerra dos cem anos», ironizou, durante o 6º Congresso da Lusofonia, que começou dia 3 de Outubro na cidade portuguesa de Bragança, e tem como tema central o acordo ortográfico e a variante brasileira da língua portuguesa.Malaca Casteleiro lembrou que Portugal ainda não ratificou a mais recente decisão sobre a escrita comum da língua, que permitiria a entrada em vigor do acordo ortográfico com apenas a ratificação de três países. Apenas o Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe ratificaram essa norma. Desde a reforma ortográfica da implantação da República Portuguesa, em 1911, Portugal e Brasil tentam um acordo.Depois de várias tentativas em 1931, 1943, 1945, 1973 e 1986 para a convenção ortográfica Luso-Brasileira, em 1990 foi negociado e aprovado por todos os países de língua portuguesa, no âmbito político, um acordo que só foi ratificado pelos Parlamentos de Portugal, Brasil e Cabo Verde.Em 2004, foi proposta uma norma que permitia a entrada em vigor do acordo, desde que ratificado por apenas três países, mas a referida norma ainda não foi aprovada por Portugal, tendo apenas o aval de Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O impasse mantém-se e arrastou-se por todo o século XX, conforme recordou o linguista, lembrando que desde a reforma ortográfica da implantação da República, em 1911 que Portugal e Brasil tentam um acordo.Segundo o linguista português, o Brasil - maior falante da língua portuguesa - «tem muita vontade de implementar o acordo e Portugal não diz nada».«Eu creio que há aqui um medo estúpido de que o Brasil, através da ortografia, reconquiste os países africanos de língua portuguesa e os leve para o seu lado, o que é completamente descabido e ruim para o idioma», afirmou.Casteleiro entende que Portugal está desperdiçando um potencial de quase 200 milhões de falantes para a difusão da língua portuguesa no mundo, através de um país que, além do elevado número de habitantes, «tem uma literatura potentíssima, é uma potência económica e tem uma capacidade de difusão cultural magnífica».Em vez do «receio deste domínio», o linguista entende que Portugal devia aproveitar esta potencialidade e implementar, de uma vez por todas, um projecto antigo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.Intercâmbio culturalO projecto a que se refere Casteleiro é um intercâmbio de alunos e professores e outras iniciativas culturais, em um programa semelhante ao europeu Erasmus, em que alunos europeus podem estudar um período em outro país da União Europeia.Visão brasileira “Falta de vontade política” é também o que entende o linguista brasileiro Evanildo Bechara, outro dos convidados do Colóquio da Lusofonia em Bragança.Apesar de tudo, Bechara não acredita que haja uma desvinculação da variante brasileira do português, «como a futurologia prevê para o século 21». Esta possibilidade foi levantada no congresso e surpreendeu o especialista. «Não é essa a visão do brasileiro», diz.O especialista defende uma unificação ortográfica da língua, em que cada país falante mantenha as suas variantes. Chegou o momento, disse, de «Portugal e o Brasil discutirem um futuro comum da língua portuguesa».Sustentou ainda que o português «só não corre riscos perante a globalização se os países se conscientizarem da sua importância».«Cada país continuará com os seus particularismos linguísticos, mas na hora de escrever, escreverão de uma só maneira, como acontece com o francês, o espanhol ou o árabe», frisou.Nas relações entre Portugal e Espanha o académico português Malaca Casteleiro defendeu na sessão magna de encerramento do colóquio que a língua portuguesa pode ser a solução para o diferendo com quase dois séculos entre os dois países pela disputa do território de Olivença.«Portugal devia era defender que tivessem dupla nacionalidade e disponibilizar o ensino da língua portuguesa no território», defendeu.A terminar os quatro dias de sessões que contaram com um dia em visita lúdica-cultural a Miranda do Douro, incluindo um passeio de barco na Reserva Natural das Arribas do Douro, foi ainda entregue o primeiro prémio da Lusofonia, no valor de 1500 euros, instituído pela Câmara de Bragança, que apoia o evento.1º Prémio literário da lusofoniaEntre 93 trabalhos oriundos de Portugal, Brasil, Canadá e Espanha, o vencedor foi Pedro Baptista, de Coimbra, com um trabalho de poesia «Nove Ciclos para um Poema», desenvolvido a partir de pequenos trechos de autores dos nove países da lusofonia.A Galiza quer fazer parte da LusofoniaApesar de termos vindo a propalar este desiderato de alguns sectores da Galiza desde a primeira edição dos Colóquios, apenas agora os meios de comunicação se dão conta dela. Este ponto alto deste colóquio foi assim resumido por vários órgãos de comunicação: A região da Galiza quer fazer parte da Lusofonia e participar nos acordos sobre a língua portuguesa, através de uma academia que será formalizada no próximo ano segundo anúncio feito em Bragança no encerramento do VI Congresso da Lusofonia por um dos promotores da iniciativa, Ângelo Cristóvão, secretário da Associação Amizade Portugal-Galiza. Este organismo está envolvido no projecto de criação da Academia Galega da Língua Portuguesa, que foi apresentado formalmente na universidade de Santiago de Compostela, na Galiza, logo após o colóquio.Aquele responsável lembrou que a Galiza já participou como convidada na discussão dos acordos ortográficos em 1986 e 1990, mas não de uma forma institucional e pretende agora dar continuidade a esse trabalho participando como observadores ou mesmo como representantes no Instituto Internacional de Língua Portuguesa e outros organismos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Segundo disse, a nova academia deverá ser oficializada no próximo ano e será constituída por 35 académicos, entre os quais pretende ver também alguns portugueses. O primeiro acto oficial desta Academia acabaria por ocorrer na sequência do Colóquio e foi promovido pela Comissão Promotora da Academia Galega da Língua Portuguesa que organizou uma conferência em Santiago de Compostela com a apresentação dos catedráticos galegos Martinho Montero Santalha, José Luís Rodrigues e Maria do Carmo Henriques, na Faculdade de Filologia. Bechara falou sobre «A Língua Portuguesa na visão dos fundadores da ABL: unidade e diversidade». Dentre suas teses universitárias contam-se títulos da maior relevância, como «As fases históricas da Língua Portuguesa: Tentativa de proposta de Nova Periodização» (1985). Autor de duas dezenas de livros, entre os quais a Moderna gramática da Língua Portuguesa, amplamente utilizada em escolas e meios académicos, é director da equipe de estudantes de Letras da PUC-RJ que, em 1972, levantou o corpus lexical do Vocabulário ortográfico da Língua Portuguesa, sob a direcção geral de António Houaiss. o professor Bechara falou dos problemas do Acordo Ortográfico, e fez um resumo das distintas tentativas de fazer um acordo ortográfico entre o Brasil e Portugal, e pôs sobre a mesa ao seu entender onde está a parte mais problemática do acordo: na pretensão fazer um modelo de acentuação com base na fonologia, em que se pretende que a escrita corresponda à fala; sugeriu como solução ideal a redução dos acentos muito significativamente, mas não como proposta a realizar de imediato. Disse o professor que o português tem em toda a parte uma mesma morfossintaxe, e mais dum noventa por cento de coincidência prosódica, e infelizmente, com menos do dez por cento de discrepância fonológica, fazemos grandes problemas. Ele proporia começar de novo a discutir o acordo ortográfico partindo de bases novas.Por último, salientou a importância de conceber a Lusofonia como uma unidade na diversidade. Anunciou que vai propor à Academia Brasileira de Letras um alargamento a toda a lusofonia, e defendeu a necessidade de essa instituição prestar uma maior atenção à Galiza. A conferência de Casteleiro tinha por título «Contribuição do Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e do Dicionário Houaiss para a unidade, na diversidade, da Língua Portuguesa». O Professor Malaca Casteleiro é ou foi responsável por Projectos de Investigação de grande importância, de entre os quais se salientam o de «Português Fundamental»; «Estruturas Lexo-Gramaticais do Português Contemporâneo» e o «Dicionário electrónico do Português Contemporâneo». Ainda no âmbito dos projectos de maior impacto e das publicações que lhe estão associadas deve recordar-se a obra que,ansiosamente aguardada, foi publicada em 2000: o «Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea», conhecido como o «Dicionário da Academia», e ainda o «Dicionário Escolar da Língua Portuguesa».O professor Malaca saudou a iniciativa de criação da Academia Galega da Língua Portuguesa, como um facto fundamental para a consideração da Galiza devidamente inserida no âmbito da Lusofonia. Acabou por explicar o que o professor Bechara assinala na sua gramática: «temos que ser poliglotas dentro da própria língua», e saber inserir a diversidade na unidade.o dicionário Houaiss do Instituto António Houaiss, com 218.000 unidades lexicais, recolhe o português dos séculos XVI a XX. Foi Casteleiro que dirigiu a equipa que preparou a edição portuguesa deste dicionário, editada pelo Círculo de Leitores e da que vão vendidos mais de sessenta mil exemplares. Em 16 meses revisaram o dicionário na sua totalidade e até corrigiram alguns erros que nele havia, mudanças serão incorporadas na próxima edição brasileira. Delineou a seguir uma história da Academia de Ciências de Lisboa e a história dos seus dicionários ou tentativas de dicionários, e como o seu processo e génese foi difícil. Como director da equipa realizadora do dicionário, o atento e entusiasmado público ficou deliciosamente informado da intra-história dessa publicação. Lembrando que os dicionários Houaiss e o da Academia partem de perspectivas filosofias distintas, trata-se de duas excelentes obras nada contraditórias entre sim. Anunciou que no futuro vai haver nova edição do dicionário e que os galeguismos poderiam também ser a ele incorporados. Tratou logo o assunto do acordo ortográfico, e os problemas que enfrenta ao ser a ortografia «um campo da soberania política» no mundo lusófono. Manifestou-se bastante pessimista sobre a possibilidade de o acordo vigorar em Portugal no curto prazo, e até deu a entender os problemas isto pode provocar. Casteleiro realizou uma revisão da história dos acordos ortográficos, complementado nalguns aspectos a magnífica exposição do professor Bechara. Passos em frenteNotável também neste 6º Colóquio foi a presença de Carlos Luna a defender as pretensões dos oliventinos e o ensino da língua portuguesa em Olivença, ocupada pelos espanhóis e culturalmente aniquilada desde há mais de 200 anos. Algumas intervenções foram bastante críticas da posição política dos governos, enquanto outras se limitaram a salientar os vários pontos de diferença e as influências diversas que as variantes do Português tiveram ao longo dos séculos. Notável também a elevada categoria das intervenções em homenagem aos 100 anos do nascimento de Miguel Torga, e temas interessantes foram os que debateram as traduções e traições que a língua portuguesa sofre.Resumidamente podemos dizer que a presença dos dois linguistas e gramáticos neste evento veio trazer uma notoriedade na imprensa nacional escrita de Portugal como jamais se observara nas anteriores edições, e servirá para se estabelecerem de mediato protocolos com universidades e politécnicos de Portugal, Brasil e Galiza para passarmos a uma fase mais actuante da nossa intervenção, como membros da sociedade civil numa área que o poder político descura e evita. Apraz-nos dentro da nossa independência e subsídio-independência, constatar esta abordagem por parte de alguns politécnicos e universidades, que vem premiar o esforço abnegado e dedicado duma mão cheia de pessoas que acreditaram na vitalidade dum projecto sem paralelo no âmbito da Lusofonia.Esta noção de Lusofonia abrangente sem distinção de credos, raças, nacionalidades ou outros factores de distinguo, tem-nos permitido congregar esforços e vontades, criando sinergias e desenvolvendo mecanismos em rede, sem paralelo. Falta apenas convencer os PALOP de que não somos nenhuma ameaça nem uma quinta coluna dum novo Império cultural, antes pelo contrário. Tratou-se no 6º colóquio da lusofonia de debater pela primeira vez, em público, o Acordo ortográfico que o governo português parece temer e sobre o qual a sociedade civil além do temor demonstra um enorme desconhecimento concreto. Para o próximo ano, e para cuja presença se comprometeram desde já aqueles dois académicos, irá tratar-se do CRIOULO E A LÍNGUA PORTUGUESA: um enriquecimento biunívoco. Irá manter-se o Prémio Literário da Lusofonia que a Câmara Municipal de Bragança instituiu e verificar-se-á o progresso da DICIOPÉDIA CONTRASTIVA DA LÍNGUA PORTUGUESA iniciada pelos Encontros Açorianos da Lusofonia realizados pelos Colóquios da Lusofonia (nos Açores em Maio 2007) e que para além das mais de três dezenas de participantes deverá passar a ser incluída no protocolo com universidades e politécnicos que poderão apoiar essa pesquisa duma forma científica, quiçá, mesmo apoiada por instituições vocacionadas para tal…


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