quarta-feira, novembro 07, 2007

Criança só é notícia quando é vítima ou agressora


Ricardo Paz Barroso"As questões ligadas à violência na criança são tratadas pelos jornalistas como mais um crime, acabando por nunca se dar atenção à políticas públicas que devem prevenir esses acontecimentos", esclareceu, ontem, Cristina Ponte, após a apresentação das conclusões da sua Análise da Cobertura Jornalística sobre a Criança em 2005. Do estudo é possível constatar que a cobertura mediática das crianças em Portugal não vive os seus melhores dias. Apenas surgem nos jornais e televisões porque foram maltratadas, abandonadas ou molestadas sexualmente. Ou então, pela razão inversa foram agressoras ou tiveram um comportamento aberrante para o imaginário sacralizado que a sociedade tem destes pequenos seres, dependentes mas com direitos sociais. Seja como for, das 5421 peças publicadas sobre crianças (até aos 14 anos) pelos quatro principais jornais diários portugueses, em 2005, 40% referem-se ao risco social (maus-tratos; violência sexual; delinquência; trabalho infantil; negligências) a que está exposta a criança. Só depois, com 23% das notícias veiculadas, é que surgem as questões ligadas à Educação (escola, políticas). "A criança, enquanto grupo social com direitos, está muito mal representada na Imprensa", afirmou a autora do estudo ao JN. "Ela acaba muitas das vezes por ser um mero gancho emocional para conseguir audiências", acrescentou, revelando ter constatado que muitas vezes os jornalistas "apenas recolhem o depoimento das crianças para, num tom paternalista, dar um certo colorido, um ar castiço à peça que estão a escrever". Segundo Cristina Ponte, o tratamento jornalístico de matérias relativas a crianças "peca por ficar muito pela rama". E deu o exemplo da maneira como é abordada, pelos jornais, "o anúncio de medidas públicas em relação à infância e adolescência em Portugal ficam apenas pelo anúncio, sem fazer qualquer acompanhamento dessas medidas. Não tentam saber o que está a ser feito, quanto está a custar, que efeitos está a ter". Explicou: "Falta fazer perguntas incómodas. Os jornais actualmente acabam por ser meros porta-vozes das intenções das instituições, não exercendo sentido crítico sobre as matérias que reportam. E todos os jornais acabam por dar o mesmo". Além disso, disse a mesma investigadora, os jornais e televisões não protegem a criança que seja alvo de notícia, sobretudo quando atingem um "efeito de folhetim". Veja-se o "caso Joana" (morta pelo mãe e pelo tio no Algarve), que, afirmou Cristina Ponte, "provocou efeitos traumáticos" em algumas das 500 crianças que responderam a um inquérito no âmbito desta investigação "Houve crianças que confessaram não ter forma de falar do assunto, pois no seu mundo não há espaço para tal. Os pais não falam, assim como na escola não se abordam tais assuntos". Além disso, disse a investigadora, "os jornais estão a desinvestir da reportagem e com isso reduzem-se as hipóteses de uma maior abrangência temática partir de um só acontecimento". "Nem a China consegue limitar o acesso a conteúdos aos seus cidadãos, quanto mais os pais o vão conseguir em relação aos conteúdos que os seus filhos acedem", lembrou David Buckingham, consultor da UNESCO e fundador do Centre for the Study of Children, Youth and Media (Centro de estudos infanto-juvenis e média), que ontem falou da sua visão sobre "Média e os direitos das crianças". É por isso que este investigador britânico apelou à auto-regulação individual, por oposição à do Estado. A questão, para Buckingham, reside na educação, "uma literacia em relação ao média". Mas quando falou de Educação, fez questão de desmistificar "Não é só colocar computadores nas escolas, é preciso também educar alunos, professores e também os pais". A questão do tipo de conteúdos a que a criança acede e as tentativas dos pais em as limitar nesse acesso, fez o britânico concluir que a grande pergunta passa também por saber "como balançar os direitos das crianças com os direitos dos pais". E lembrou que, hoje em dia, "os direitos das crianças são vistos apenas em termos de consumo, quando são também políticos e sociais".

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