segunda-feira, novembro 03, 2008

“Mais punitivo do que este sistema não há”

Sara R. Oliveira| 2008-10-30



Docentes insatisfeitos com as mudanças no processo de avaliação garantem que "a face humanizada da escola está a ficar completamente destruída". A indignação está à flor da pele.

Indignação. Descontentamento. Uma tristeza que não passa. A insatisfação na área da Educação pode ser contada através de números. A 8 de Março deste ano, cerca de 100 mil professores juntaram-se e percorreram algumas ruas de Lisboa. Há mais uma manifestação marcada para 8 de Novembro na capital e possivelmente acontecerá uma outra no dia 15 do mesmo mês. A mesma insatisfação também é contada através de sentimentos. O EDUCARE.PT falou com alguns docentes e constatou que a dor é grande. O pulso já não bate como antigamente. Hoje fala-se de colegas contra colegas, pedidos de reforma antecipada, ambiente de medo, desconforto, estatísticas para a Europa aplaudir.

A revolta passou e deu lugar a uma tristeza profunda. Adélia Silvestre, 30 anos de serviço, há 20 na Escola Secundária João Gonçalves Zarco, em Matosinhos, admite que está "tristíssima" com o que se está a passar. "Agora temos colegas contra colegas e amigos contra amigos. A atmosfera é de cortar à faca, discute-se por tudo e por nada, as emoções estão à flor da pele", descreve. "Este modelo de avaliação acaba por pôr professores contra professores". A professora de Português lamenta o actual cenário, garante que a contestação não é por causa dos professores serem avaliados, mas sim pela forma como o processo está a ser conduzido. E dá um exemplo. Na sua opinião, não é compreensível como o abandono e o insucesso escolares fazem parte dos critérios de avaliação. "São dois conceitos que acabam por ser tratados como já aconteceu. A ministra fala de aumento do sucesso escolar no final do ano lectivo e reúne as estatísticas para mandar para a Europa. E isto é inqualificável".

Adélia Silvestre defende uma avaliação consistente e não um modelo que funcione à semelhança do de uma empresa. Em seu entender, é preciso ter em conta as características de um sector específico, como o é a Educação. "Querem que os professores sejam burocratas, mas não são. Os professores devem ser professores", defende. "Tudo o que está a acontecer tem a ver com esta equipa do Ministério da Educação que, ainda por cima, está rodeada por dois secretários de Estado absolutamente inqualificáveis". A docente participou na marcha da indignação a 8 de Março, mas não vai estar na de 8 de Novembro. "Sinto-me completamente traída nos motivos que me levaram a participar nesse protesto. A FENPROF feriu os professores". Adélia Silvestre refere-se à assinatura do memorando de entendimento com a tutela, assinado pouco depois da manifestação. A professora tenciona marcar presença na concentração agendada por um grupo de docentes para 15 de Novembro.

Fernanda Rego, professora de Português na EB 2,3 de Leça da Palmeira, vai pedir a reforma antecipada no início do próximo ano, depois de 33 anos na docência. "O ambiente é muito negro, muito negro. Estou completamente alarmada com o que se está a passar. Vou pedir a reforma antecipada com a punição que isso implica, mas mais punitivo do que este sistema não há", desabafa. É a indignação. "Este sistema está a arrumar com aqueles que realmente gostam de ser professores. Neste momento, como a Educação está no nosso país, não estamos a trabalhar para os alunos, mas sim para as estatísticas". "A face humanizada da escola está a ficar completamente destruída", comenta.

O novo modelo de avaliação merece-lhe críticas. "O ambiente é de medo, medo do chefe que vai ser director. Há toda uma situação que faz com que os professores queiram deixar de ser professores", diz. "Como vou exigir de mim própria na avaliação que faço aos alunos, quando sou avaliada por quem não tem competência científica para o fazer?", questiona-se. Por convicção tem votado contra várias regras definidas pelo ministério e que chegam à mesa da escola. Fernanda Rego prefere lutar no terreno, no dia-a-dia da docência, e não vai à manifestação de 8 de Novembro, nem esteve na de 8 de Março. "Tenho-me manifestado na escola. É importante que os professores percebam que a luta começa em si". "Receio que, no futuro, quando se fizer um historial do que está acontecer, que isso seja vergonhoso para os professores. Este sistema levanta o que há de pior", conclui.

Fátima Loureiro, professora do 1.º Ciclo há nove anos, ligada ao agrupamento vertical de S. João de Sobrado de Valongo, vai participar no plenário de 8 de Novembro. "Torna-se imperioso, no momento actual, lutar por uma maior dignificação e respeito por todos aqueles que optaram por seguir uma carreira docente". A sua presença explica-se em vários motivos. Fátima Loureiro considera que é necessário continuar a reclamar "um modelo de avaliação justo, o respeito pelo tempo de trabalho dos professores, uma maior estabilidade dos docentes".

"Com a entrada deste novo modelo de avaliação, o ambiente que se vive nas nossas escolas degrada-se de dia para dia, já que, o mesmo, instalou entre os docentes um clima de desconforto, visto pautar-se por uma linha altamente burocrática, exigindo muitas horas de trabalho, para além daquelas que constituem os horários dos professores, prejudicando, dessa forma, a preparação do trabalho lectivo com os alunos", refere. "Esta avaliação não se constituirá como algo construtivo para o processo de ensino/aprendizagem dos vários agentes da educação, mas sim como um elemento profundamente penalizador", acrescenta. Fátima Loureiro sublinha ainda que não é a avaliação dos docentes que está em causa, mas o modelo desenhado pelo ministério. "O que os professores reclamam não é o final da avaliação, mas sim um modelo de avaliação exequível e justo que contribua verdadeiramente para o melhoramento da actividade docente, logo, do processo de ensino/aprendizagem dos nossos alunos, assim como, para o crescimento pessoal de todos aqueles que partilham o espaço escolar", conclui.

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