segunda-feira, novembro 03, 2008

Sistema de avaliação contestado em 80 escolas

Sara R. Oliveira| 2008-10-31


Moções e abaixo-assinados a pedir a suspensão do modelo de avaliação não param de aumentar. Centenas de professores já formalizaram o descontentamento e a insatisfação atinge os conselhos executivos.

A Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE) fez as contas e adianta que professores de 80 escolas aprovaram moções e abaixo-assinados a pedir a suspensão da avaliação de desempenho da classe docente. O levantamento continua e a FNE garante que o número deverá aumentar nos próximos dias. "Estamos convencidos de que isto é imparável e que vai arrastar a esmagadora maioria das escolas e agrupamentos do país", afirmou Octávio Gonçalves, porta-voz do Movimento de Professores Promova, à agência Lusa. "Podem surgir ameaças e obstinação por parte do Governo, como já têm surgido, mas da parte dos professores eles vão encontrar a mesma obstinação porque não vamos assistir à destruição da escola pública", sublinhou.

Mais de 100 professores da Escola Secundária de Albufeira pediram a suspensão da avaliação de desempenho da classe docente, "em defesa da qualidade do ensino e do prestígio da escola pública". "Onde se encontra alterada, por decreto, a parte em que se refere a avaliação de desempenho dos professores e a sua progressão na carreira se devem ao sucesso dos alunos e à redução do abandono escolar?", questiona-se no texto da contestação. "Há uma dormência da classe que só desperta quando se apercebe do que está escrito", comenta Célia Pedroso, presidente do Conselho Executivo da escola de Albufeira. A responsável lembra que o modelo esteve em discussão e que, nessa altura, era o momento certo para apontar o que estava bem ou mal. "Ainda estou para perceber como é que a escola pode suspender uma lei", diz.

Célia Pedroso já recebeu o texto que encaminhou "para a estrutura hierárquica superior". Mas recusa falar em abaixo-assinado, uma vez que não há qualquer número de bilhete de identidade, mas sim nomes e rubricas. "Há um conjunto de professores que se manifestam nesta altura fora do prazo, uma vez que quando tiveram oportunidade não apresentaram sugestões", refere. "Não é um modelo que está em discussão", reforça.

"Assenta numa perspectiva desmesuradamente burocrática, quantitativa e redutora da verdadeira avaliação de desempenho dos docentes. Pela sua absurda complexidade, não é aceite pela maioria dos professores deste país, não se traduzindo, por isso mesmo, em qualquer mais-valia pessoal e/ou profissional". Este excerto da moção aprovada pelo Agrupamento de Escolas de Vila Nova de Poiares expressa a opinião dos 130 professores, menos um que votou contra, e que já foi enviada às entidades competentes. Maria Eduarda Carvalho, presidente do Conselho Executivo, fala em insatisfação, instabilidade e desconfiança em relação às vantagens do novo modelo. E deixa um alerta aos pais que, na sua opinião, têm sido pouco referenciados neste processo. "Os pais têm de perceber que nas escolas vão estar professores que não estavam antes. É preciso ter noção disso."

"Trata-se de um modelo nada justo, nada exequível, burocrático", afirma. Maria Eduarda Carvalho acrescenta que a moção, que chegou a ser aprovada por unanimidade em conselho pedagógico, nasceu "de um sentir que as coisas não estavam bem". "E assim foi proposto enviar para as entidades que não nos ouvem, mas que mesmo assim fazemos questão de enviar, a pedir a suspensão do processo." A responsável garante que "há uma depressão quase colectiva". "Este bicho atormenta toda a gente e eu, com as funções que exerço, estou bastante preocupada com os colegas", repara.

As últimas notícias dão nota que 130 dos 160 professores da Secundária Camilo Castelo Branco, em Vila Real, não entregaram as fichas individuais de avaliação, como forma de protesto pelo actual modelo. Fátima Rodrigues, presidente do Conselho Executivo, confessa que, até à data, o conselho pedagógico não recebeu qualquer documento oficial sobre essa matéria. Fátima Rodrigues adianta, porém, que o descontentamento é generalizado na escola de Vila Real. "Acredito que, neste momento, 99,9% das escolas do país estejam com a mesma dificuldade", afirma. A suspensão do modelo foi também pedida pela Secundária de Vagos, em Aveiro, onde pelo menos 57 professores dos 76 assinaram a tomada de posição em conselho pedagógico. "Será que é só esta escola que está insatisfeita? Espere pelas manifestações para ver o descontentamento", sugere Aniano Martins, presidente do Conselho Executivo.

Tutela receptiva a propostas
Com a insatisfação a aumentar, o Ministério da Educação acaba de admitir a possibilidade de proceder a alterações, nomeadamente no peso que a avaliação do desempenho tem no concurso de colocação de professores. "Admitimos negociar a forma concreta da avaliação do desempenho na graduação profissional com a sua aplicação no tempo, mas admitimos [isso] num cenário de chegada a um acordo", adiantou à Lusa o secretário de Estado Adjunto e da Educação, Jorge Pedreira. Os sindicatos têm discordado do facto de a avaliação de desempenho ser um dos critérios determinantes na graduação dos docentes já no próximo concurso de docentes - quando até agora a ordenação dos professores baseava-se no tempo de serviço e no resultado da classificação profissional. De qualquer forma, Jorge Pedreira já deixou claro que "o tempo de serviço não pode valer o mesmo independentemente da avaliação".

A obrigatoriedade de os docentes concorrerem a um mínimo de 25 agrupamentos de escolas e a quatro quadros de zona pedagógica é também um dos pontos da discórdia. Neste ponto, o secretário de Estado desafia as estruturas sindicais a apresentar uma sugestão. "Se não for esta a solução, que apresentem uma outra proposta, desde que resolva o problema dos professores que ficam sem serviço", sublinhou, à Lusa, Jorge Pedreira. "Não faz sentido aproximar [as posições] se as estruturas sindicais negarem esse acordo", disse.

O que está também em cima da mesa é a possibilidade de uma manifestação única em Novembro. A Plataforma Sindical de Professores agendou um plenário nacional para o dia 8 e um movimento de professores marcou um outro protesto para 15 de Novembro. Ainda não há consenso sobre a matéria. Os representantes dos movimentos não sindicais de professores defendem a denúncia do memorando de entendimento, assinado em Abril, entre os sindicatos do sector e a tutela, enquanto a FENPROF rejeita essa possibilidade, reafirmando que o documento defendeu os interesses de cerca de 140 mil docentes portugueses.

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